São José dos Campos / SP - domingo, 05 de maio de 2024

Tese de Mestrado

A MINHA TESE DE MESTRADO 

A tese de mestrado abaixo foi a que me deu o titulo de mestre em psicoanalise é uma tese bem atual sob o pontode vista da sociedade conteporânea no que tange o aumento do Transtornos Psiquitricos no momnento que vivemos. A mesma foi concluida em 2014 e o que obsrva-se hoje é o que junto com meu tutor que muito me auxiou dando o s caminhos para este trabalho sendo o mesmo PHD da Universidade de León na Espanha, defedi o que vemos hoje um grande aunto nos Transtorns psiquiatricos devido as mudanças rapidas da sociedade pós moderna. 

Deixo a mesma a disposição para que possa contribuir para futuros trabalhos cientificos  sobre o assunto e até mesmo para o publico leigo posso conhecer o que nos levou a este resultado. 



Segue abaixo a tese em sua integra. 











 UNIVERDIDADE DE LEÓN - ES

 

 

 

 

 

 

FERNANDO AUGUSTO CARNEIRO PINTO 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O USO CRESCENTE DOS PSICOFARMACO NA SOCIEDADE MODERNA: UM ABORDAGEM PSICANALÍTICA.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

León/ES

2013

FERNANDO AUGUSTO CARNEIRO PINTO 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O USO CRESCENTE DOS PSICOFARMACO NA SOCIEDADE MODERNA: UM ABORDAGEM PSICANALÍTICA.

 

 

 

 

 

Tese apresentada como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre no curso de Mestrado em Psicanálise, do programa de mestrado e da Universidade de León.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

LEÓN/ES

2014

FERNANDO AUGUSTO CARNEIRO PINTO 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O USO CRESCENTE DOS PSICOFARMACO NA SOCIEDADE MODERNA: UM ABORDAGEM PSICANALÍTICA.

 

 

                                                             

 

 

RESUMO

 

Na atualidade a mídia tem levantado a questão do constante aumento no uso dos psicofarmacos pelo homem atual, fato demostrado na prática clínica dos profissionais que trabalham com as doenças mentais. 

Esta situação se torna problemática no momento que o uso destas drogas começa a ser usado para aliviar pequenos sintomas do dia a dia com as tristezas que as pessoas passam ou para mudar sua personalidade com função de se adequar ao ambiente sociocultural ao qual vive, levando em consideração estas duas questões surge o problema de pessoas sãs estarem usando estas drogas sem necessidade e não se preocupado com seus riscos a sua saúde.

O objetivo desta tese é demostrar as razões do uso cada dia maior dos psicofarmacos na atualidade sob o aspecto sócio cultural e psicanalítico. 

Seu embasamento teórico parte da revisão dos principais autores sobre este assunto para partindo de uma metodologia levantamento bibliográfico se chegue à conclusão. 

Os resultados principais obtidos foram que as mudanças sócio culturais se relacionam diretamente com o psiquismo do homem que procura estas drogas uma saída para seus conflitos internos. 

Concluí -se com esta tese que a intensidade rápida destas mudanças sócios culturais da sociedade moderna e pós moderna levaram ao homem a procura cada vez maior por esta classe de droga, e que seu psiquismo passou a sofrer mais conflitos causado pelo imediatismo da nova ordem sociocultural levando a busca de uma resposta rápida a estes conflitos através destas droga, que iram resolver seus mais mascarar os seus sintomas. O futuro desta situação se conclui que haverá um aumento nos uso dos pscofarmacos. 

 

Palavras-chave: Psicofarmaco, Psicanálise, Cultura.

             

ABSTRACT

Nowadays the media has raised the issue of the constant increase in the use of psychotropic drugs by modern man , a fact demonstrated in clinical practice of professionals working with mental illness .

This becomes problematic when the use of these drugs begins to be used to relieve minor symptoms from day to day with the grief that people go or to change your personality to suit the role of sociocultural environment they live in, taking into consider these two questions arises the problem of sane people are using these drugs unnecessarily and not worried about the risks to your health.

The objective of this thesis is to demonstrate the reasons for the use of everyday bigger psycopharms today under the aspect cultural and psychoanalytic partner.

Its theoretical basis of the review of the main authors on this subject for starting a bibliographical survey methodology is to reach the conclusion .

The main results were that the sociocultural changes directly relate to the psyche of the man who seeks these drugs an outlet for his inner conflicts .

We conclude with the thesis that rapid intensity of these cultural changes of modern society partners and led to the postmodern man to increasing demand for this class of drug, and that his psyche began to suffer more conflict caused by the immediacy of new sociocultural order leading the search for a rapid response to these conflicts through these drug that iram solve their most mask their symptoms . The future of this it is concluded that there will be an increase in the use of pscofarmacos .

Key words: Psychopharmacological, Psychoanalysis, Culture.

             

SUMÁRIO

 

1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................... 6

2 ALGUNS PRINCÍPIOS DA TEORIA DE FREUD........................................................... 8

2.1 O CONCEITO DE SEXUALIDADE................................................................................ 8

2.2 O OBJETO PERDIDO DA PULSÃO............................................................................ 10

2.3 O RECALQUE E OS OBJETOS................................................................................... 14

3 O SUJEITO CONTEMPORÂNEO................................................................................... 20

4 A METAPSICOLOGIA AS ORIGENS DO PSIQUISMO............................................... 26

5 O GOZO CONTEPORÂNEO............................................................................................ 29

6 O  SUJEITO MODERNO: IMEDIATISMO A MEDICALIZAÇÃO................................. 34

7 ILUSTRAÇÕES DO COTIDIANO.................................................................................... 39

8 FENÔMENOS PSÍQUICOS DA ATUALIDADE............................................................ 41

9 AS NEUROSES ATUAIS................................................................................................. 51

10 PATOLOGIAS CLÁSSICAS DA PSICANALISE NA CONTEMPORANEIDADE. 55

11 CONCLUSÃO.................................................................................................................. 60

REFERÊNCIAS.................................................................................................................... 61

 

1  INTRODUÇÃO

 

Esta tese tem como objetivo geral responder as razões que levam o homem moderno cada dia mais recorrer aos psicofarmacos sob um contexto sociocultural e tem como objetivo específico conhecer as alterações que sofreu o homem moderno em seu psiquismo sob uma ótica psicanalítica que o levam ao aumento do consumo dessas drogas. 

A metodologia adotada para responder os objetivos desta tese é o levantamento bibliográfico. A metodologia foi escolhida com base nos conceitos psicanalíticos que já se encontram definidos, assim como temos grandes nomes da atualidade que abordam os assuntos da sociedade e cultura pós moderna, aos quais são necessários para o entendimento da problemática discutida neste trabalho estando dividido em nove capítulos.

O primeiro capitulo se aborda os o principais conceitos da obra de Freud que darão subsidio no desenvolvimento desta tese. 

No segundo capítulo será abordado o sujeito contemporâneo sob o ponto de vista de dois autores Frederick, R. K. (1988) e Elisabeth Roudinesco (2003). O primeiro autor aborda o sujeito inserido na sociedade sob o enfoque sob suas relações de trabalho e consumismo o segundo sujeito pós moderno sob o contexto sóciohistórico-cultural da família contemporânea.

No terceiro capítulo a metapsicologia que realiza uma abordagem da evolução do psiquismo do sujeito se iniciando nos ensinamento de Freud sob o sujeito como um produto da articulação do conflito decorrente da polarização natureza e cultura. Neste capítulo se dá sequência com a abordagem do desenvolvimento da criança na atualidade desde antes de nascer até suas fases iniciais após o nascimento sob as obras Fink, (1998) e Dolto. (2005).

No quarto capítulo se aborda o gozo descrevendo o mesmo sob a obra de Lacan, se chegando ao sujeito de hoje ao qual demostra a importância do gozo no as mudanças sujeito contemporâneo inserido na novo ordem social.  

No quinto capitulo se aborda o imediatismo do homem atual, analisado seu surgimento e suas consequências, que levam medicalização, o uso excessivo dos psicofarmacos.    

No sexto capitulo se aborda o faz a ilustração do homem contemporâneo inserido na sociedade pôs moderna.  

No sétimo capitulo se aborda a importância da psicanálise sobre o aspecto social e clinico, abordando as questões do capitalismo na queda do tratamento psicanalítico em função dos tratamentos com psicofarmacos. 

No oitavo capitulo se avalia a evolução das neuroses atuais na psicanálise e seus mecanismo e notamos que seus sintomas são trados hoje com a medicalização na maioria dos casos, mais a patologia em si é deixada de lado devido ao mundo moderno e seu imediatismo. 

No nono capitulo se revisa as patologias clássicas da psicanálise na ótica de Recalcati (2004) e Elisabeth Roudinesco, (2003). 

A situação atual do uso dos psicofarmacos que se tem sido demonstrada pela

mídia e pelo dia a dia da pratica clínica, na qual, esta família de droga cresce de forma exponencial, sendo na maioria dos caso seu uso ser desnecessário podendo o paciente a ser tratado com outra técnicas não expondo o mesmo aos efeitos colaterais de uma medicação.  Um segundo ponto que não pode deixar de ser citado na atualidade sobre o uso desta família de droga se trata do uso dos mesmos em pessoas saudáveis com intuito de melhor seu desempenho social o que torna a situação mais grave, visto os riscos do uso de um medicamento em uma pessoa sã, o que pode comprometer sua saúde grave.  

Para se chegar a uma resposta a esta problemática dentro da proposta deste trabalho se faz necessário realizar uma análise da evolução do homem sob o foco psicanalítico e das mudanças socioculturais do mundo ocidental nos últimos tempos que levam ao aumento no uso das drogas que agem sobre o psiquismo humano. 

Não há como se destituir o homem da cultura e da sociedade ao qual está inserido dentro do enfoque psicanalítico na evolução das relações: de trabalho, das mudanças culturais para o consumismo, da queda da figura paterna que são exemplos das transformações que atingem de forma direta o homem atual. 

Este trabalho segue o princípio dentro do qual se efetua em um primeiro tempo uma seleção das principais obras que nos permite dar suporte a defesa desta tese realizando uma revisão literária das mesmas para se chegar a uma explicação dos objetivos desta tese. 

Não se pode destituir a importância que possui na saúde metal esta classe de drogas, porém desde que usada de forma racional sem a influência seja pelo paciente ou pelo profissional de saúde do modismo, do imediatismo.

 

2  ALGUNS PRINCÍPIOS DA TEORIA DE FREUD

 

Para se iniciar a presente tese e preciso se conhecer dentro da obra de Freud os principais conceitos nos quais permite fundamentar os objetivos que se defende. Devido a extensa obra de Freud neste capítulo será abordado de forma sucinta somente os conceitos que iram dar a fundamentação teórica para este trabalho.

 

2.1  O CONCEITO DE SEXUALIDADE 

 

Freud (1977) revoluciona o que é sexualidade, expandindo o conceito para âmbitos nunca antes imaginados pela sociedade da época.  O paradigma que imperava na medicina era de que a sexualidade reduzia-se à primazia dos genitais, consistindo em atos sexuais, monogâmicos e com o objetivo da reprodução, como

Freud muito bem pontuou em 1908, em “Moral Sexual Civilizada” e “Doença Nervosa Moderna”. Tudo que fugia a esta definição não era mais considerado do âmbito da sexualidade, mas do âmbito da perversão.  

No entanto, esse movimento não ocorre de imediato, estando intrinsecamente relacionado a toda a prática de Freud junto com suas pacientes histéricas. É como homem da ciência, com o objetivo de apurar cada vez mais o caráter científico da medicina, que Freud descobre, a sexualidade. Em uma época na qual a histeria era considerada uma farsa de algumas mulheres que nada mais desejavam do que chamar atenção, Freud pôde ver nisso alguma verdade, se propondo a olhar com um pouco mais de profundidade o que se passava com aquelas mulheres (Freud, 1977). 

O inconsciente conceito central no surgimento da psicanálise está implicitamente correlacionado ao entendimento de sexualidade para Freud. O inconsciente só se situa como um campo específico da psique humana, para Freud, porque primeiramente se pressupõe uma sexualidade neste ser que se diferencia como humano. Indo além, só se é humano quando se é dotado de sexualidade. Como exemplo, em 1915, Freud expõe a influência da experiência infantil nos atos psíquicos, mostrando que a sexualidade só pode ser explicada pela vida sexual infantil inconsciente (Freud, 1977).

  

 

Porém, esta primazia da sexualidade na formulação do inconsciente só é possível alguns anos após o início de seus estudos. Em obras como O projeto para uma psicologia científica (1895) ou no próprio texto “Interpretação dos Sonhos” (1900), no qual Freud apresenta a importância do estudo do inconsciente para a análise dos atos psíquicos, a sexualidade ainda não detém o posto de, pode-se dizer, personagem principal. É lógico que Freud já se referia a alguns aspectos da sexualidade, mas é fato que ainda não dimensionava a importância que ela teria no desenvolver de seus estudos (Freud, 1977).  

Essa passagem é desenvolvida no aprendizado clínico de Freud. Em sua temporada em Paris em 1885, com o intuito de compreender um pouco mais sobre o fenômeno da histeria que tanto o intrigava, Freud conhece um outro médico, chamado Charcot. Suas práticas ressaltam-se no olhar de Freud, sem dúvida nenhuma intensificadas pela própria figura de Charcot, em seu misto de estranheza e sedução. As sessões assistidas por Freud eram movidas pela catarse, em um misto de teatralização e terapêutica. Apesar de Charcot não ter escrito muito, não ser um adepto da teoria, Freud retorna a sua cidade natal influenciado por idéias que constituirão o pilar de seus estudos teóricos na época (Freud, 1977). 

Em parceria com Breuer, Freud retoma a sua prática com a histeria tendo como método a hipnose. Esse método tinha como formulação que a partir da sugestão, tendo o médico como figura de saber, o paciente se lembraria da causa que envolve o seu sintoma e assim este se dissolveria. A importância tanto de Breuer como de Charcot para o desenvolvimento da psicanálise reside no fato de ambos permitirem a Freud pensar a histeria como algo além de um mero fingimento. Outro ponto fundamental reside no fato de que os dois médicos davam lugar à fala em suas propostas de tratamento, ainda que esse lugar não seja idêntico ao que seria ocupado, em um futuro próximo, pelo tratamento psicanalítico. No entanto, a grande virada, aquela que fará com que a fala se situe no lugar da análise, não é proposta por um médico, mas por uma de suas pacientes, Emmy Von N. Freud (1977), ao sugerir mais uma vez a hipnose, vivencia uma surpresa. A paciente diz a Freud que, naquele momento, ele nada mais tem a fazer do que escutá-la. Freud aceita a sugestão que se transformará no método que vai a partir daí nortear todo o tratamento analítico. O ato de delicadeza de Freud não é ter meramente dado voz a sua paciente, mas vai além, na medida em que, ao escutá-la, ele pressupõe um saber no discurso da histeria. A importância desta atitude reside no fato de que foi na pressuposição deste saber que Freud pôde falar de sexualidade (Freud, 1977).

A partir de seu estudo e de seu novo método, agora não mais focado na hipnose, Freud (1977) passa a reparar que alguns fatos se repetiam nos seus pacientes e que esta repetição se instalava pela via do esquecimento.  Nesse texto nomeado de “O mecanismo psíquico do esquecimento”, Freud introduz a relação dos sintomas psíquicos com os pensamentos inconscientes e com o sexo. Freud, a partir de então, repara que, na medida em que os pacientes falavam, o lapso de memória se extinguia e em seu lugar surgiam fatos ocorridos na infância que estavam relacionados a cenas sexuais. Profetizou, assim, diante de toda sociedade médica de Viena, que a neurose tinha como causa um trauma sexual, na medida em que todos os seus pacientes narravam uma cena de abuso sexual, ocasionada por uma figura masculina, geralmente o pai. Essas cenas, ao serem trazidas para a consciência e lembradas, faziam com que o sintoma neurótico se dissolvesse. Esta formulação foi denominada como a primeira teoria da sedução de Freud, fundamentada no fato de que um trauma de origem sexual ocasionava a neurose.  A sexualidade era, nesse entendimento, precocemente estimulada por um adulto que já portava uma sexualidade. 

A teoria da sedução é rapidamente reformulada pelo próprio Freud. Ele percebe que muitas das vezes essas cenas não haviam ocorrido de fato na vida daquele paciente. Assim sendo, Freud percebe que essas cenas relatadas não deixavam de ter importância e influência diante do sintoma em questão. Mesmo sendo formuladas a partir da fantasia, estas cenas discorriam sobre a sexualidade do paciente em análise. A partir dessa formulação, a fantasia passa a se constituir como um conceito na obra de Freud, e vem a determinar o que é entendido em psicanálise como realidade (Freud, 1977).

 

2.2  O OBJETO PERDIDO DA PULSÃO 

 

A segunda teoria da sedução é, assim, o pilar do entendimento do conceito de inconsciente vinculado à sexualidade. Porém, a grande revolução, na qual essas reformulações marcarão de fato uma virada conceitual no que se refere à sexualidade, encontra-se em seu texto de 1905, nomeado de “Os Três Ensaios sobre a teoria da sexualidade”. Apesar de ser um texto que obteve pela psicanálise inúmeras leituras, inclusive leituras que priorizaram certo caráter desenvolvimentista e inatista da teoria, e de ser um texto de base para a teoria psicanalítica, não se pode negar a sua importância na obra de Freud (Freud, 1977).  

A grande marca do texto de 1905 se refere àquilo que já foi falado sobre a ampliação do conceito de sexualidade inaugurado por Freud. O autor escandaliza a sociedade vienense ao afirmar a existência de uma sexualidade infantil. A criança, no início do século XX, ainda era marcada por uma pureza, um caráter de bondade, inaugurada pelos ideais românticos da modernidade (Freud, 1977).  

Freud rompe com estes ideais românticos ao dotar a criança de sexualidade. Não se trata de uma sexualidade suja, centrada em ideais morais, como era usual julgar na modernidade. Freud se refere a uma sexualidade para além do bem e do mal ao transformá-la em conceito e ao expandi-la para o estudo do inconsciente. Freud amplia o conceito de sexualidade para uma serie de âmbitos nos quais antes ele não existia, como o inconsciente, conforme já foi visto, nos sintomas e em uma série de atos que envolvem uma escolha sexual. Assim, vê-se em Freud a importância da sexualidade infantil para a constituição do sujeito. Os traços da sexualidade se inscrevem no desenvolvimento subseqüente, na medida em que o inconsciente se impõe através de traços (Freud, 1977)

Para Freud (1977) um estudo completo das manifestações sexuais da infância provavelmente revelaria os caracteres essenciais do instinto sexual e nos mostraria o curso de seu desenvolvimento e a maneira pela qual ele se consolida a partir de várias fontes. 

Segundo Freud (1977) em 1905, a sexualidade infantil é inicialmente auto erótica, ou seja, tem sua fonte de prazer no próprio corpo. Nesta, a pulsão investe em zonas sexuais que detêm a primazia dos investimentos libidinais. A sexualidade como auto erótica se afasta do modelo genital de relação sexual. O autoerotismo está relacionado a formas de prazer vinculadas a qualquer área ou órgão do corpo. No autoerotismo, o corpo é o único meio de obter satisfação, mesmo quando a fantasia é orientada para outro objeto ou pessoa. A partir destes momentos de primazia da pulsão, Freud nomeou as fases do desenvolvimento sexual anterior ao amadurecimento das zonas genitais como fase oral, fase anal e fase fálica.  

Freud (1977) escandaliza ainda mais, ao dizer que as crianças são perverso polimorfas em suas formas de obtenção de satisfação auto eróticas. A teorização de

Freud sobre uma sexualidade auto erótica já é, por si só, extremamente elucidativa sobre a essência da sexualidade. Para Freud, a sexualidade é perversa em sua essência. O entendimento da perversão concerne à satisfação sexual que não se reduz aos aspectos genitais. 

Para Freud (1977) a pulsão se situa entre o somático e o psíquico, e é em seu caráter dinâmico que ela vai encontrar a sua primeira definição no obra de Freud. Na realidade, a definição da pulsão tem um caráter problemático, pois, como mostra Freud, o que se sabe sobre ela se baseia em representações, já que ela não possui nenhum pólo ligado à consciência. Conclui Freud, então, que ela é a mitologia da psicanálise.

A oralidade da criança permite a Freud em 1905 desenvolver o caráter mítico referente à passagem de uma função antes instintiva a uma função agora pulsional. Pode-se exemplificar desta maneira: o bebê, em um primeiro instante, chora de fome, a partir da necessidade do encontro com o alimento. O movimento de sugar está direcionado a este fim de satisfação. Em um segundo momento, o choro estará relacionado a uma outra satisfação, uma satisfação total alucinada por alguém que recebe não só o alimento no ato de mamar, mas um a mais, uma satisfação que não se restringe apenas à ingestão do alimento. O ato de sugar não mais estará relacionado à primeira necessidade de satisfação, ligada ao alimento somente a uma necessidade, mas à outra satisfação, referida ao alimento redimensionado pelo signo do desejo de sua mãe (Freud, 1977). 

Lacan (1985) afirma que o sujeito só pode emergir enquanto sujeito desejante ao ser, primeiramente, objeto de desejo de um Outro. E é junto a este Outro, que Freud localiza na mãe, que o bebê experimenta as primeiras satisfações oriundas do corpo sexual. Segundo Dolto (2005) o bebê, ainda como uma massa de carne, não pode ser apontado como um sujeito que deseja, mas mesmo antes de nascer já existe no desejo de sua mãe. De acordo com o autor, para que se passe do estado natureza para o estado cultura é necessário um delicado percurso que tornará possível ao bebê portar um corpo sexual. Percurso este que tem no cuidador a mãe um papel fundamental. 

Freud (1977) pontua que é junto aos primeiros cuidados de higiene e de carinho que o corpo é erotizado por um adulto e passa a ser possível a assunção de uma sexualidade. A mãe, como primeiro objeto de investimento libidinal, inaugura a vida sexual de uma criança. Momento este em que a satisfação se encontra vinculada a esse objeto. 

 Freud (1977) se refere ao autoerotismo como um momento em que a satisfação da pulsão não se encontra referida a um objeto externo. No entanto, para que esta passagem se torne possível, Freud fala de uma perda: justamente, a perda do primeiro objeto sexual em questão, a mãe, ou, com mais rigor, o seio. Mais importante do que se pensar qual foi o objeto perdido, pois não se deve perder o caráter mítico da história, é a pontuação de Freud de que existe um objeto perdido necessário à inauguração da sexualidade. Os momentos posteriores a esta perda, as fases auto-eróticas, marcam justamente a ausência de objeto da pulsão, na medida em que falam deste objeto perdido, mas não deixam de marcar também a satisfação como intrínseca ao corpo.  

 Assim, a teorização de um objeto perdido, na obra de Freud, vem dar propósito à pulsão. Mas do que uma satisfação própria ao corpo, a ausência do objeto evidencia a insatisfação como intrínseca ao corpo. Isso porque o objeto como perdido como nos ensina Freud através do exemplo demonstrado da mamada como alucinada marca justamente a impossibilidade de alcançar novamente a satisfação total almejada (Freud, 1977).  

 As implicações da relevância da teorização de um objeto perdido para a natureza das pulsões não cessa na obra de Freud de 1905. Na realidade, a pulsão só vem a ser destrinchada conceitualmente na obra de Freud de 1915 denominada de “A Pulsão e os seus Destinos”. Nesse texto, Freud se atém a caracterizar a pulsão de acordo com a sua fonte, sua pressão, sua finalidade e o seu objeto. Muito do que se encontra nessa análise implica a pressuposição de Freud de 1905 a respeito de um objeto perdido (Freud, 1977). 

 A fonte da pulsão é localizada por Freud no corpo. O objetivo da pulsão, infere Freud, é invariável. Assim, o que é apresentado em 1905 e desenvolvido em 1915 é o fato de que o alvo da pulsão é a satisfação. No entanto, durante algumas passagens da obra, Freud evidencia que algo não favorece a satisfação, que sempre existe alguma coisa que é contrária a sua realização. Essa idéia permeia sua obra desde “O projeto (1895)” até o “Mal-estar na civilização (1930)”, no qual ele se detém profundamente sobre o tema. (Freud, 1977). 

Para Lacan(1985) a finalidade da pulsão se trata do impossível de ser satisfeito. Assim, a satisfação como impossível conforme Freud (1977) mesmo nos anuncia ao conceitualizar sobre um objeto perdido aponta-nos para a inconsistência do objeto da pulsão. A partir dessa teorização, o que se evidencia é a direção constante tomada por ela, sempre em retorno a esse estado anterior de coisas, no qual consiste a sua realização.  

Desta forma, ao contrário de seu objetivo, que não varia, o objeto da pulsão é o que existe de mais variável, não podendo ser definido. É o que faz com que possamos considerar o objeto da pulsão como inexistente. Pode-se dizer que a afirmação de Freud em 1915, segundo a qual a pulsão é sem objeto, tem seus resquícios em 1905, na diferenciação freudiana entre a pulsão e o instinto e na elaboração do auto-erotismo no fundamento do conceito de sexualidade. A pulsão sexual auto-erótica ressalta justamente esse caráter da pulsão de ser sem objeto e de ter sempre como objetivo a satisfação Freud (1977). 

No entanto, apesar de não possuir um objeto próprio, a pulsão prescinde da presença de um objeto e não deixa de se relacionar com objetos, o que faz ser possível a vida em sociedade. É o que leva Freud, em 1915, a afirmar que, embora a pulsão não tenha um objeto definido, ela sempre se direciona aos objetos. Porém, não é o caráter auto-erótico da pulsão que permite ao sujeito vivenciar os objetos. A passagem do auto-erotismo para a demanda de objetos é explicitada por Freud a partir da elaboração de um outro conceito psicanalítico, o de recalque (Freud, 1977).

 

2.3  O RECALQUE E OS OBJETOS 

 

A sexualidade mediada por objetos não é uma característica das fases autoeróticas da criança. Sendo assim, é necessário que ocorra algo que fundamenta o próprio conceito de recalque. Trata-se da castração, o que torna possível a relação de objeto, o investimento em objetos outros, não mais este primeiro objeto perdido, como objeto de amor. Este desdobramento pertencente à sexualidade atua, na realidade, em extensão à relação com o primeiro objeto sexual, uma vez que é só a partir dele que o sujeito pode ir em busca de objetos do mundo. Assim sendo, é importante que se esclareça que o entendimento do mecanismo de recalque não se dá para além da sexualidade, como uma força que atua sobre a sexualidade. O recalque constitui a sexualidade e só é possível pensá-la a partir deste conceito (Freud, 1977).  

O conceito de recalque não existe desde o início da obra de Freud. Na realidade, ele só pôde ser destrinchado enquanto conceito em 1915, em um extenso estudo sobre a teoria psicanalítica. No entanto, desde o início de sua obra, já encontramos indícios daquilo que veio a fundamentar o conceito. A presença de uma censura, de um agente da censura, esteve presente desde “O Projeto 1985” na obra de Freud. A censura, que no início atuava como um agente externo ao sujeito fazendo barreira ao objetivo pulsional, é apontada por Freud (1977) como uma força necessária ao desenvolvimento do sujeito incorporado à esfera social. 

Freud (1977) acentua que se deve considerar o recalque como um fator interno que atua junto aos fatores externos como a limitação da liberdade, a impossibilidade de encontro com o objeto sexual. No entanto, é por ser um mecanismo interno, que não necessita de um agente externo para operar, de uma imposição ou ordem externa, que o recalque se difere da censura e da repressão. O recalque, mais do que uma censura externa, é um dos destinos da pulsão é essa elaboração teórica que permite que o recalque se fundamente como conceito e que se diferencie, de fato, da censura repressora como mecanismo.

Em 1915, Freud (1977) esclarece que o recalque é um dos destinos da pulsão que tem como meta tornar a pulsão inoperante, ou seja, fazer com que ela não tenha o seu curso realizado. Diz Freud que este é o seu objetivo, uma vez que a pulsão, ao ser satisfeita, ao contrário do que era de se esperar, não produz prazer, e sim desprazer esta máxima tem seus indícios em 1985. Freud (1977) conclui que a satisfação da pulsão não condiz com uma série de reivindicações e intenções do aparelho psíquico. Isso ocorre porque a realização da pulsão é irreconciliável com outras reivindicações, o que faz com que haja prazer em um lugar e desprazer no outro.  Assim, vê-se que a noção de conflito é basilar na obra de Freud e é o que deslancha o conceito de recalque. 

Deve-se atentar para o fato de que, em 1915, a obra de Freud ainda se localizava na primeira tópica, o que fazia com que o objetivo do recalque se reduzisse ao fato de que o conteúdo a ser recalcado devesse ser afastado para o inconsciente por um agente que ainda não havia sido nomeado nesse período da obra freudiana. Do ponto de vista topográfico, a localização do agente responsável pela função do recalque passa por algumas modificações na obra de Freud. Em “Interpretação dos sonhos “(1900), o agente da censura é localizado no pré consciente em 1915, ele é localizado na fronteira entre o pré-consciente e o inconsciente. Foram justamente esses problemas teóricos que levaram Freud a ter que reavaliar seu esquema topológico a partir da segunda tópica (Freud, 1977). 

Segundo Freud (1977), existe o recalque primário e o recalque propriamente dito, o recalque secundário, aquele que se constitui como mecanismo de defesa. Os dois se relacionam, na medida em que é justamente a origem do primeiro recalque que faz com que o mecanismo de recalque seja ativado. O recalque primeiro é aquele que impede a entrada no consciente de algum conteúdo censurado. Já o mecanismo de recalque propriamente dito ocorre nas idéias que de alguma forma se associam ao conteúdo recalcado pelo recalque primário e que, por isso, mediante uma força posterior, são como que gravitacionalmente atraídas para o mesmo destino dos seus representantes. No mecanismo de recalque, são duas as forças que operam concomitantemente, uma do agente da censura que afasta de si o conteúdo a ser censurado e a outra exercida pelo próprio material previamente recalcado, que atrai para si o que a ele se associa. É por conta deste fato que o recalque original é fundamental para que o mecanismo de recalque seja ativado. O interessante disso tudo é que, de acordo com Freud (1977), o material recalcado não impede que se proliferem idéias derivativas a ele na psique e que essas ideias interfiram no agir e nas escolhas subjetivas de cada um. 

O recalque não é algo que ocorre uma única vez  pelo contrário, é necessário um continuo dispêndio de forças para mantê-lo, já que o material recalcado produz uma continua pressão em direção ao consciente. Como está sendo visto, esta é a prerrogativa da primeira tópica, na qual o sistema psíquico é dividido em consciente, pré-consciente e inconsciente. A censura e o inconsciente se encontram relacionados pelo ponto de vista dinâmico, ao levarmos em conta o mecanismo de recalque, mas diferenciados no que refere a sua topografia (Freud, 1977). 

A segunda tópica possibilitou para Freud (1977) um novo olhar sobre aquilo que constituía o inconsciente, não mais situado numa posição antagônica ao do agente da censura e não mais constituído apenas pelo conteúdo do recalque. 

A noção de conflito, tão basilar na obra de Freud, não é minimizada na segunda tópica. Ao contrário, ela é ressaltada ainda mais nesta nova conceituação daquilo que se refere ao inconsciente. Nesta reformulação surge o id, o ego e o superego. O agente da censura passa a ser denominado como o superego e passa a ter uma parte, uma grande parte, inconsciente, não mais pertencendo totalmente ao consciente. Na realidade, sua grande função se exerce em nível inconsciente (Freud, 1977). 

Esta nova concepção, a partir da segunda tópica, redimensiona o papel do conflito, na medida em que ele passa a se presentificar no inconsciente. Antes, o recalque marcava o conflito entre o inconsciente e o consciente. Agora, o recalque evidencia um conflito não mais tão polarizado e imanente à própria estrutura inconsciente. Com o nascimento do superego, o agente da censura é internalizado, não mais precisando de um agente externo para desempenhar esta função. A passagem de um agente externo responsável pela censura para um agente internalizado vem a ressignificar também o mito do Édipo tão presente na obra de Freud. O mito enfatiza o que o conceito de recalque propõe de forma teórica (Freud, 1977). 

Então, que Freud (1977), a partir da segunda tópica, diz que o superego é o herdeiro do complexo de Édipo. Freud retorna ao mito, evidenciando o que faz dele uma história singular. A grande contribuição se refere à dissolução do complexo de Édipo e ao que ele traz de singular à formação do sujeito. É o superego como herdeiro do complexo de Édipo que revitaliza o mito. O mito evidencia um conflito que tem como resultado um redirecionamento do desejo e um objeto marcado como impossível. O menino tem a mãe como seu primeiro objeto de desejo, mas esta satisfação não pode perdurar, pois um limite é imposto a esta relação. Limite esse que é nomeado por Freud como a lei, e que tem no pai sua figura. Impossibilidade essa que vimos a respeito do objeto como perdido. 

O medo de castração, responsável pela saída do Édipo no menino segundo Freud (1977) mais tarde vem a dizer que, na menina, o medo de castração é o que permite a sua entrada no Édipo faz com que ele precise abdicar do objeto primeiro. O medo da castração pode ser traduzido em meninos e meninas como medo da perda do amor dos pais, e é por este temor que a criança renuncia ao objeto amado.  O objeto perdido é o traço de impossibilidade evidenciado pela renúncia deste primeiro objeto. 

Assim, o superego nasce a partir das identificações que se dão no fim do complexo de Édipo com esta lei paterna. Segundo Freud: “o caráter do ego é um precipitado de catexias objetais abandonadas e que ele contém a história dessas escolhas de objeto” (Freud, 1977, p.44). Assim sendo, o superego se confronta com o restante do eu, sendo ele ao mesmo tempo um resíduo das primeiras escolhas objetais do isso e, paradoxalmente, uma defesa a elas. Esta função reativa do superego condiz com o objetivo que advém da formulação do fim do complexo de Édipo, uma vez que a missão do superego é justamente pôr fim ao complexo de Édipo, recalcando aquilo que o pôs em andamento. Da mesma forma como os pais se punham contra a realização do desejo, agora o superego, fruto da identificação com este ideal dos pais, desempenha esta função, perpetuando-a.  Essa nova formulação a respeito da estrutura psíquica permite a Freud o entendimento de como o conflito se efetua mesmo sobre a ausência de um agente externo (Freud, 1977).  

É só a partir do entendimento do conflito em torno do que Freud (1977) denomina como objeto perdido que se torna possível a compreensão de como o objeto perdido se relaciona com os objetos do mundo. Foi para isso que o mito do Édipo, organizado ao redor do conceito de recalque, esteve presente neste trabalho. O mito edípico evidencia a relação de proximidade entre lei e desejo, sendo estes análogos em seus direcionamentos.  Isto se torna claro nos textos de Freud sobre a cultura como o texto de 1930, em que o autor mostra a importância do outro na vida do sujeito e a importância da sexualidade para a vida social. É apenas a partir de uma barreira ao objetivo pulsional, fundamentada pela lei que distancia o sujeito deste primeiro objeto mítico, que ele pode ser direcionado para o mundo em busca de outros objetos a serem desejados.  No entanto, o conflito sempre permanece nesse encontro com os objetos, na medida em que, o mal estar na cultura diz respeito ao fato de que nem sempre o que é bom para um, o que ele quer, é bom para a cultura e condizente com o que a civilização quer dele (Fred, 1977). 

O recalque, de acordo com Freud (1977), é um mecanismo necessário à relação de objeto.  Isto porque ele produz formações substitutivas, ou seja, produz substitutos a partir da retirada de libido do objeto que foi recalcado. Esta libido é convertida e deslocada a fim de investir em outros objetos, apesar de estes nunca proporcionarem ao sujeito a mesma satisfação mítica do primeiro objeto. 

Assim, pode-se notar que é a partir de um desvio que o sujeito passa a buscar outros objetos, a partir de um processo de deslocamento da libido desinvestida de seu objeto original. Com o recalcamento, passa-se a investir em outro fim sexual, apesar de este ser inibido em sua finalidade (Freud, 1977).

 Apesar da busca por objetos ser necessária, o objeto sexual tem, em termos de importância, sempre um papel secundário, pois, como foi visto em 1915, a pulsão é sem objeto, ela não possui um objeto especifico, o que faz com que esteja sempre à procura de um outro objeto que a satisfaça (Freud, 1977).

 Segundo Lacan (1985), esse outro objeto é apropriado para que possa haver um apaziguamento da pulsão. No entanto, esse apaziguamento nunca é completo: sempre existe um descompasso entre o que se buscou e o encontrado no objeto. O objeto é sempre inadequado.  Lacan (1985) define, assim, o encontro do sujeito com o objeto como algo que é sempre caótico, que perpassa o também caótico estado das pulsões. 

Esse estado caótico que advém da relação entre o objeto como alvo e a pulsão é o que Lacan (1985) ressalta como a essência do conflito presente na obra de Freud. O autor enfatiza que a problemática da relação de objeto na obra gira em torno não de um objeto, mas da falta dele.  Para Freud (1977), a busca libidinal por um objeto sexual não é senão uma busca para reencontrar o primeiro objeto já perdido: “o encontro de um objeto, é na realidade, um reencontro dele” (Freud, 1977, p. 72). 

Portanto, a pulsão, em sua busca permanente por alcançar a completa satisfação, busca também a repetição de uma experiência primária de satisfação, em um momento anterior em que não havia a barreira da censura. A sexualidade é informada pela fantasia, e é a satisfação dessas condições produzidas pela fantasia que determinam a escolha de objeto e que envolvem simbolicamente estas escolhas. As escolhas por objetos no mundo só se tornam possíveis por se inscreverem naquilo que Freud denominou de sexualidade. Uma sexualidade em que a castração faz parte de sua definição e que é o que permite que o sujeito atue no mundo a partir de sua singularidade (Freud, 1977).

 

             

3  O SUJEITO CONTEMPORÂNEO 

 

Frederick (1988) analisa o sujeito contemporâneo sob o foco das consequências pessoais das condições sociais atuais ao consumismo e a angustia do homem pós moderno.

Para o autor, devido à busca incessante ao sucesso absoluto, o fracasso é tido como um grande tabu dos tempos modernos para o sujeito contemporâneo. Existindo, atualmente, uma dificuldade de aceitar o fracasso e dar a ele um lugar e forma na história de vida pessoal. Dessa maneira, a ausência de uma significação da experiência de fracasso pode converter uma condição humana do fracasso como experiência humana em uma condição do eu a experiência do fracasso toma inteiramente o eu. 

 Os sentimentos de inadequação e incapacidade de corresponder a todas expectativas do atual ideal de normalidade, juntamente com a ideia de que um problema pode ser abolido da forma mais rápida possível, colocamos psicofarmacos a possibilidade de adquirir o bem-estar e abolição dos problemas em curto tempo tornando-a mais um instrumento de normatização (Frederick, 1988).

Com isso, cada vez mais características de personalidade e sofrimento humano são convertidos em doenças e cada vez mais os psicofármacos são utilizados entre pessoas sãs para camuflar sofrimentos humanos e problemas sociais, proporcionando ao homem a promessa de libertar-se de suas próprias dores (Frederick, 1988). 

O autor, também enfatiza a importância da avaliação interna da experiência dolorosa no caso de seu estudo, o fracasso demonstra como a experiência de narrar a própria história possibilita ao sujeito dar sentidos às suas experiências e se perceberem responsáveis pela sua própria história de vida.  

Segundo o autor a narrativa da experiência possibilita ao sujeito contemporâneo adquirir um senso maior da realidade, das decisões tomadas ao longo da vida e integrar as experiências fragmentadas em um centro sólido o eu e em um tempo coerente. Dessa maneira, o sujeito torna-se consciente de sua história e de suas decisões, permitindo-o a responsabilizar-se por seus fracassos. 

No entanto, como define o autor, diante da atual instabilidade juntamente com a promessa de felicidade plena e a oferta de diversas mercadorias para atingi-la, os indivíduos não encontram tempo e espaço para reavaliar suas próprias experiências a fim de elaborar seus conflitos e continuar seu processo de amadurecimento. Além disso, sem tempo para aprofundar-se nos contatos humanos baseados em afeto e troca, o sujeito encontrasse com sua vida interior esvaziada, impossibilitando-o à narrativa de sua própria história e sofrimento Dessa maneira, o discurso do indivíduo é facilmente traduzido pela predominância do discurso médico para a explicação de seus sofrimentos.  

O autor ainda aponta que, em contramão ao processo de crescimento pessoal, na tentativa de encobrir a experiência de fracasso, o indivíduo é colocado no lugar de vítima das circunstâncias e, enquanto vítimas nada podem fazer em relação à sua história. 

Diante desta situação Frederick (1988), enfatiza a importância da narrativa subjetiva da experiência a fim de se elaborar tal vivência. Dessa forma, o sujeito sai do lugar de vítima passiva para uma condição mais ativa, responsabilizando-se por sua história. 

Além do posto de vítimas em que os sujeitos se encontram, conforme apontado por Frederick (1988) nota ainda que, com a crença de que o homem possa tudo alcançar através do próprio esforço, crescem as necessidades de especialistas e procedimentos técnicos, desde o desenvolvimento de medicações até manuais de autoajuda, para auxiliar o homem em seu processo de superação. Ao mesmo tempo em que se fala de superação de limites, oferece-se ao sujeito contemporâneo os instrumentos para se alcançar tal objetivo enquanto que as pessoas tornam-se cada vez mais necessitadas de tais instrumentos entre os quais se destacam os psicofarmacos. 

Dessa maneira, em substituição ao processo de amadurecimento pela elaboração subjetiva da experiência pelo sujeito contemporâneo, depara-se com sujeitos em constante necessidade de acompanhamento e tutela.

Elisabeth Roudinesco (2003) avalia o sujeito contemporâneo sob os aspectos das relações do mesmo a família contemporânea. 

A autora faz uma análise diante dos chamados três grandes períodos na evolução e transformação da família, quais sejam: as famílias tradicional, moderna e contemporânea.

O período tradicional para autora se refere àquele em que a célula familiar é tida sob a ordem do imutável e a autoridade patriarcal é vista como verdadeira transposição da monarquia de direito divino, ou seja, o pai é tido como a encarnação familiar de Deus e senhor das famílias.

A partir do século XVIII até meados do século XX, a família passa então a funcionar segundo uma lógica afetiva e se funda dentro do amor romântico. Na família moderna, a autoridade passa a ser dividida entre o Estado e os pais de um lado, e entre os pais e as mães de outro (Roudinesco, 2003).

A família contemporânea ou pós-moderna caracteriza-se, desde os anos 60, como a família mutilada de hoje. Compõe-se da união de dois indivíduos com uma duração relativa, onde a transmissão da autoridade torna-se problemática à medida que divórcios, separações e recomposições conjugais aumentam. É uma família de múltiplas aparências, com o lugar de poder descentralizado. Uma família horizontal e fraterna na qual cada um se sente autônomo ou funcionalizado e o homem assume um papel mais materno. Pode ser caracterizada como co-parental (poder paterno dividido com a mãe), bi-parental, multiparental, pluriparental ou monoparental, sendo assim uma família construída, desconstruída e reconstruída onde os filhos são educados sob a autoridade de dois pais e duas mães convivendo com meios-irmãos ou meias irmãs (Roudinesco, 2003).

Neste sentido, o lugar central destinado à posição paterna, inicialmente de encarnação familiar de Deus, passa então para uma posição atual de uma imagem invertida de si mesmo, deixando transparecer um eu descentrado, autobiográfico e individualizado O poder paterno é mantido cada vez mais de uma forma abstrata. É a instalação do declínio da posição paterna, a crise da função paterna, a qual certamente há de operar mudanças significativas nas posições dos membros da família, outrora hierarquizada e vertical, com lugares imutáveis e rígidos, para maior flexibilidade e mudanças. Estamos vivendo então, na contemporaneidade, na ordem da horizontalidade, da família fraterna e não mais na ordem da verticalidade. Desta forma, a posição de prioridade da lei do pai, ordenador de certa lógica, de ordenação do sujeito, está em crise, com dificuldades de subsistir (Roudinesco, 2003).

Roudinesco (2003) aponta os pontos aos quais levam a mudança das relações familiares que influenciam o sujeito na pós modernidade com se segue:

  • A espécie humana sofre de uma verdadeira crise das referências simbólicas, de formas e intensidades diferentes, a depender do contexto cultural e temporal, associadas ao exercício das funções parentais que se mostram esvaziadas ou deslocadas.
  • O esvaziamento ou deslocamento das funções parentais estão também vinculados a elementos sócio-histórico-culturais, os quais também contribuíram para essas mudanças do grupo familiar, principalmente quanto ao lugar da mulher e sua emancipação na sociedade e a função materna. 
  • Os marcos no século XX foram significativos para essa mudança, como o feminismo e as duas grandes Guerras Mundiais. 
  • A Primeira Grande Guerra provocou mudanças no cotidiano feminino, pois as mulheres tiveram que aprender a prescindir dos homens, sendo obrigadas a trabalhar para continuarem a viver e, na Segunda Guerra, deram prova de sua determinação (até então prerrogativa masculina), alistando-se e engajando-se na batalha. 
  • Além disto, o lugar da mulher sofreu mudanças radicais com respeito a sua sexualidade e conquista de diversos processos de procriação, a partir do avanço da ciência e da alta tecnologia (inseminação artificial), os quais aumentaram o poder feminino. A mulher passa então a ter um poder sobre a maternidade jamais visto antes, no qual o lugar do pai poderá ser excluído ou não. 
  • Não só o lugar da mulher se modificou, mas também o lugar da criança, pois mediante as recomposições familiares constantes, o destino e a continuidade do grupo familiar terá o seu peso recaído sobre a própria criança, em virtude da precariedade dos vínculos do casamento. 
  • Desta forma, exigências cada vez maiores hão de ser colocadas sobre as crianças, no sentido de estimular precocemente as suas competências para que se tornem mais rapidamente autônomas, a partir de um modelo adulto amorfo. 
  • Este modelo adulto amorfo projetado nas crianças advém não só das demandas parentais (gozo narcísico), mas também das demandas sociais, de um eu ideal social, ou seja, na sociedade há uma exigência que a criança corresponda a uma imagem-modelo proposta pelas ideologias, sejam elas políticas, sociais, pedagógicas ou psicológicas. 
  • Tanto o narcisismo acentuado quanto o consumismo são marcas contemporâneas que interferem no modo de estruturação subjetiva.
  • Hoje, os pais e as mães são tomados na condição narcísica (eu-ideal) em relação a seus bebês, tidos como bonecos, os quais podem ser tudo ou ter tudo e onde há a evitação da condição de castração, ou seja, de que algo vá faltar
  • No imperativo do pleno gozo de tudo poder ter, o ideal de eu deixa de se atrelar a valores e modelos a serem seguidos e passa a se atrelar a objetos que o sujeito necessita ter para alcançar a felicidade.
  • Até o outro ser humano torna-se objeto de consumo, um outro como um objeto sob a perspectiva narcisista, como um meio de alimentar o eu e não uma verdadeira relação de alteridade.
  • Se entende que é a partir das trocas nas relações alteritárias que há de se instalar as diferenças e, portanto, a dor se fará presente, afeto este que o sujeito contemporâneo quer evitar a todo custo.
  • Deste modo, a frustração e a dor, afetos vinculados à falta, não são hoje reconhecidos como constitutivos do percurso rumo aos ideais de prazer e alegria, mas passam a ser indicadores da insuficiência do indivíduo contemporâneo. 
  • Uma das marcas predominantes da contemporaneidade diz respeito ao hedonismo e à permissividade. Com o declínio da autoridade patriarcal a ética do prazer (hedonismo) não encontra limites e há uma verdadeira institucionalização do que pertencia ao campo da transgressão. 
  • Desta forma, se pode tudo, inclusive buscar uma felicidade mítica por meio de ideais imaginários, garantindo às crianças a plena realização da felicidade e a evitação da dor: "meu filho não irá passar pelo que eu passei", podemos ouvir da voz de um pai ou uma mãe. E neste sentido de obtenção de uma felicidade mítica, a mídia tem um papel fundamental, pois vai alimentar nossos recursos mágicos e nossa onipotência. 
  • O valor central propagado pela mídia é o sucesso imediato, construído através dos modelos de sucesso, personagens de vida pública que se tornam referência de como deveríamos e, principalmente, poderíamos ser.
  • Através do mimetismo (vestir roupa igual, cabelo semelhante) no âmbito da mídia-fascinação, mamães e papais creem que seus filhos podem se tornar personalidades famosas imitando seus trejeitos. Vivemos um tempo do simulacro, da imitação e do disfarce, marcas sócio-histórico-culturais. Antes a educação era em direção a um sujeito valoroso, que pudesse obter suas conquistas, sua posição na sociedade em função de seus dons e talentos e de um esforço pessoal. Hoje não basta ser, é preciso parecer ser.
  • Na igualdade, na superficialidade das relações e no mundo sensorial e de imagens, facilmente digerido, nossa capacidade crítica e reflexiva é diminuída, pois o expectador é poupado do trabalho de pensar. Assim, outro elemento contemporâneo, o imediatismo e a urgência, vão permear as relações. O tempo para postergar desejos, vivendo frustrações, parece estar reduzido num circuito pulsional curto, onde estes desejos devem ser imediatamente realizados e satisfeitos, num clima de urgência permanente.

A globalização e a revolução informática são dois fenômenos fundamentais dos anos 80 e 90 que se conjugaram para comprimir o espaço-tempo e aumentaram a lógica da brevidade, criando a sensação de simultaneidade e de imediatismos, a qual desvaloriza cada vez mais as formas de espera e lentidão, colaborando assim para instalar uma lógica da urgência e de um presentíssimo exacerbado (Roudinesco, 2003).

Este tempo presente e a realização instantânea do desejo interfere no modo das subjetividades atuais, as quais se diferem em muito de outrora, do mundo introspectivo, herdeiro do romantismo, marcado pela interioridade e introspecção do indivíduo. Neste sentido, hoje o invólucro vale mais que o conteúdo, o corpo não pode mostrar as marcas do tempo e o sofrimento psíquico do homem contemporâneo parece preso a este corpo (somatizações), fechado na exigência narcísica imposta pela sociedade de consumo (Roudinesco, 2003).

A frustração, que se constitui essencial e é o ponto de partida que exige trabalho de elaboração do aparelho psíquico, parece algo a ser obliterado, pois o indivíduo não pode mais se frustrar, tem que ser satisfeito a todo tempo. É a falência das possibilidades introjetivas, onde o tempo do processo, da elaboração, da dimensão de trabalho e postergação é colocado em cheque, abrindo então um caminho para um mecanismo de apreensão do objeto mediante um caráter mágico e instantâneo, o mecanismo de incorporação (Roudinesco, 2003).

Mas este estado de coisas acaba tendo efeito oposto, pois não havendo trabalho de luto em relação a um objeto desejado, não havendo frustração, não há trabalho psíquico e sim uma substituição alucinada, um preenchimento, o qual traz consequências para o sujeito contemporâneo, um mal estar, um estado de precariedade interna e de grande fragilidade e insegurança (Roudinesco, 2003).

Tais sentimentos levam o indivíduo a vivenciar um desamparo tal, que ele se entrega a um outro de forma masoquista, oferecendo o seu corpo "como objeto de gozo em troca da proteção que os laços outrora legitimados pela cultura não oferecem mais", constituindo então mais uma marca do homem contemporâneo, a presença de um forte componente de masoquismo nas relações subjetivas atuais (Roudinesco, 2003).

4  A METAPSICOLOGIA AS ORIGENS DO PSIQUISMO

 

A metapsicologia tem como princípios, os modelos teóricos e os conceitos fundamentais da clínica psicanalítica. É uma metodologia de abordagem do sujeito que se parte do princípio que o processo mental é considerado em relação com três coordenadas: dinâmica, topográfica e econômica (Freud, 1977).  

O psiquismo na metapsicologia se estrutura e se organiza desde períodos iniciais da infância do homem, com traços originais que não poderão variar depois (Freud, 1977). 

O conhecimento desta estruturação e organização do psiquismo são imprescindíveis para se atingir os objetivos deste trabalho, pois esta estruturação e organização do psiquismo está ligada aos fenômenos culturais ao qual o homem se encontra inserido desde o início de sua vida na sociedade pós moderna, desta forma a metapsicologia dará subsidio para compreender o aumento do uso dos psicofarmaco na atualidade.  

A premissa básica da psicanálise refere-se a descentralização do eu, ou seja, "o ego não é Senhor da sua própria casa" (Freud, 1977, p.178). Através dos lapsos, atos falhos, sonhos, sintomas, o sujeito fala de si mesmo de um outro lugar que não é o da consciência. Existe um outro em si mesmo que é a sua própria alteridade, o outro inconsciente que fala de outro lugar psíquico em relação à consciência (Freud, 1977).

Desta forma, o outro tem um duplo sentido de exterioridade, não só em relação a si mesmo em sua própria excentricidade mas também em um sentido transindividual, que remete à ordem da linguagem de uma forma geral, tal qual está preexiste e condiciona o fenômeno humano e essa ordem compreende toda a realidade linguística na qual uma cultura vem a se condensar e se constituir, banhando um indivíduo muito antes que dele surja palavra articulada.  No conceito do outro, do grande outro, nele se situam as coordenadas simbólicas que presidem e possibilitam o surgimento de um sujeito (Freud, 1977). 

Estas coordenadas referem-se à linguagem, às leis, à cultura, a valores, à história familiar atual e a de seus antepassados, todo o universo linguístico e desejos presentes no outro primordial. Um outro encarnado na figura de um pai, mãe, avó, instituição ou outro qualquer responsável então pelo advento do sujeito a ser (Dolto, 2005). 

Um bebê já é falado desde antes de seu nascimento e sua história já o antecede antes que ele surja como pessoa física. Ele já é sonhado e falado por este outro inserido em um contexto simbólico, real e imaginário. O bebê se constituirá a partir destes campos entrelaçados, onde as marcas inconscientes, os fantasmas do campo imaginário do outro primordial, haverão de formar as mediações possíveis para inserção deste bebê no mundo simbólico (Dolto, 2005).

No estágio inicial, o bebê humano é totalmente dependente de um outro que o ampare e cuide dele para que possa sobreviver e é neste tempo original do encontro com o outro primordial que advirão as primeiras experiências de satisfação, pondo em marchas as primeiras inscrições psíquicas. Neste primeiro encontro com o outro primordial, este haverá que se constituir em um outro absoluto do sujeito onde o bebê deverá alienar-se, sendo esta a condição essencial para a existência dele (Dolto, 2005).

No tempo lógico da alienação, o bebê é enunciado por um outro e está alienado no desejo deste outro primordial. Os desejos parentais que são dirigidos ao bebê estão num campo narcísico, os quais advém do próprio passado e das relações edípicas parentais e antecipam para o bebê uma aposta, um voto em relação ao futuro, que é um futuro antecipado daquilo que este bebê haverá de ser. (Dolto, 2005).

A incompletude, a falta, é a condição humanizante, posto que não está referida nem ao ser sujeito ou do outro, mas dimensiona e posiciona a ambos em relação a si e à vida. Por isso mesmo, o outro primordial deve ter em si esta condição faltante, a lei paterna internalizada. Em um ritmo de presença e ausência, a função materna exercida pelo outro primordial carrega em si esta condição faltante, o que, de outra forma, numa presença absoluta, sem espaço, sem hiância, acarretaria numa relação de gozo absoluto e pleno, gerador de diversas patologias e formas de existência (Dolto, 2005).

Para o Douto (2005) é a partir das sanções simbólicas do agente materno que se imprimem os ritmos de funcionamento de funções orgânicas de um bebê. É por meio da alternância entre fome e saciedade, sono e vigília, repouso e atividade, que o funcionamento pulsional do bebê se organiza de acordo com a letra impressa em seu corpo pelo gozo e desejo materno. Desta alternância no jogo da presença e ausência, que se cria um objeto de outro modo, ou seja, uma representação simbólica de algo que já não está mais presente, mas que já existiu em uma situação outrora vivida com elementos herogeneizados na relação com o outro. 

Para o mesmo autor em relação ao agente materno que em sua função, quatro operações fundamentais deverão se constituir para o advento do sujeito no bebê, sendo que todas elas devem estar articuladas num mesmo movimento, no campo da dialética do desejo materno e também vinculadas a um diferencial que é próprio da criança. São elas: a demanda da mãe em relação à criança, inscrevendo-a no campo da linguagem e oferecendo a ela objetos de dom, amor; a suposição da existência de um sujeito em um processo de antecipação; a alternância entre presença-ausência e um espaço para a alteridade, um espaço para o bebê surgir com aquilo que é dele próprio. Quanto à função paterna, esta já está em jogo no próprio desejo da mãe. Se a criança não tem a ausência da ausência da mãe, não poderá entrar na condição simbólica. Se a mãe é toda para o seu bebê, então não há alteridade, o que se constitui em um caminho conhecido para as psicoses e outras psicopatologias. As leis inscritas na função paterna são fundantes do humano e é no conceito de castração, sustentadora das separações narcísicas, onde se instaura a condição da falta, do desejo, como operação simbólica constitutiva da diferença sexual (Dolto, 2005). 

O lugar de alguém está sempre no desejo do desejo de um outro, a partir da diferença sexual, das identificações e das leis, mas tudo isto também vinculado a um contexto social e cultural. Dentro desta concepção psicanalítica há que existir um mínimo de triangulação para que haja sujeito desejante, ou seja, um bebê sempre articulado a um outro primordial que não se fecha a este bebê numa posição de gozo, mas que este outro (agente materno) tenha em si a função paterna articulada para que abra espaço ao devir deste bebê (Dolto, 2005).

 

             

5  O GOZO CONTEPORÂNEO 

 

A partir das diretrizes proporcionadas pela metapsicologia, Lacan conceituou o gozo e formulou o objeto a que, se relaciona diretamente à angústia e ao registro do real. 

Fink (1998) descreve que em 1953 Lacan frente às distorções que a psicanálise havia sofrido por parte de psicanalistas pós-freudianos, fez sua conhecida proposta de um retorno a Freud. Em seguida, lançou a mais conhecida de todas as suas teses: o inconsciente é estruturado como uma linguagem, função e campo da fala e da linguagem em psicanálise. 

Lacan (1985) sustenta que o campo da linguagem é constituído por formações linguísticas tais como o lapso, os sonhos, os chistes e os sintomas, conforme já havia demarcado Freud. Nesse primeiro período de seu ensino, Lacan equivale o simbólico à linguagem e ao inconsciente, e o desejo é correlato às leis da linguagem. O significante, definido a partir do sujeito do inconsciente, é aquilo que representa o sujeito para outro significante. O campo da linguagem corresponde ao conjunto de significantes, que Lacan denominou de grande outro. Para Lacan o outro é este lugar que se constitui, toda vez que alguém fala, que é uma alteridade para todos nós. É o lugar do inconsciente e também onde se situa a cultura e o registro do simbólico. 

Lacan (1985) utilizou-se da imagem dos significantes, dispostos na forma de um colar que estaria enlaçado a outros colares, para dar a dimensão das conexões inconscientes. Dessa maneira o autor, ilustra que o inconsciente tem leis. Estas são as leis da linguagem, a metonímia e a metáfora, equivalentes ao que Freud chamou de deslocamento e condensação, respectivamente. “[...] a metonímia é o deslizamento de significante para significante; metáfora é a substituição de um significante por outro” (Lacan, 1985, p. 157). 

Lacan (1985) formula algumas leis em relação ao sujeito do inconsciente:

enquanto na metonímia, a barra do recalque que separa significante e significado se mantém, na metáfora é suspensa. É esta suspensão que produz o efeito metafórico encontrado, por exemplo, “na poesia” (Lacan, 1985, p. 162).

Lacan (1985) define o outro como portador de uma falta radical. Esta falta é referente ao gozo excluído do simbólico que retorna no real.  Lacan atribui a este gozo um significante que faz exceção em relação aos outros significantes: O falo simbólico. 

Ao situar o desejo na cadeia significante, Lacan se depara com a questão de

como articulá-lo com o sexual. Recorre à noção de falo, que Freud havia estabelecido como objeto central na economia do desejo, para conceituar o falo como um objeto que, assim como o desejo, está alocado na metonímia da cadeia significante (Lacan, 1985). 

 O falo é como aquilo que falta à mãe, compondo para o bebê a significação da presença e ausência da mãe o falo é o significado do desejo da mãe, objeto faltante é o objeto imaginário da castração na articulação do desejo (Fink, 1988).

É necessário que o conceito de gozo tenha que se esclarecer em uma dupla oposição, por um lado, com relação ao desejo e, por outro, com relação àquele que parece ser seu sinônimo: “o prazer” (Fink, 1998, p.16). 

            Lacan toma como base a filosofia do direito de Hegel, na qual aparece o Genuss, o gozo, como algo que é subjetivo, particular, impossível de compartilhar, inacessível ao entendimento e oposto ao desejo que resulta de um reconhecimento recíproco de duas consciências e que é objetivo, universal, sujeito à legislação. A oposição entre gozo/desejo é central em Lacan, tem, pois, raiz hegeliana (Fink, 1988). 

Para Lacan (1985) o desejo, por sua vez, está na enunciação dos enunciados, por isso é metonímico, corre, rola ao longo das cadeias de significantes. É através da enunciação, que o desejo, irrepresentável, passa. As leis da linguagem são a metáfora e a metonímia, e as leis da fala incluem o sujeito e o desejo. 

A partir de O seminário 7: a ética da psicanálise, Lacan começa a elaborar o conceito de gozo de maneira mais sistemática. Mas, um pouco antes, na lição de 5 do Seminário 5: as formações do inconsciente, já colocava como polos opostos gozo e desejo. A partir do texto freudiano o autor, mais uma vez, irá demarcar esta distinção entre gozo e desejo, para ele fundamental (Lacan, 1985). 

          Freud (1977) não transformou o gozo em conceito, mas o tema sempre foi alvo de sua atenção. No início de sua obra, entendeu a economia do aparelho psíquico através do jogo entre princípio de prazer e o princípio de realidade. Porém, justamente por se deparar em seu trabalho clínico com certo prazer, onde, de acordo com o princípio de prazer, deveria encontrar desprazer, Freud começa a se questionar e vai além do princípio de prazer. Na maioria das vezes, ele se utiliza da palavra Lust para designar prazer, mas, algumas poucas vezes, recorre ao vocábulo Genuss. É o caso de quando descreve a expressão que percebe no rosto de seu paciente “o homem dos ratos”, “relatando a tortura dos ratos, penetrando o orifício anal” (Freud S.,1977,

p. 453). E da mesma forma, quando se refere ao neto de 19 meses, brincando de “fortda” com um novelo (Freud S., 1977, p. 467). 

Fink (1998) coloca que há na elaboração da pulsão de morte uma abordagem do gozo que Freud não conceitua, mas cujo campo ele delineia, traçando a fronteira que o situa mais-além do prazer. É isso que constituirá o ponto de partida de Lacan para definir o gozo.

Fink (1998) enfatiza que Lacan ao buscar um termo que designasse gozo de forma conceitual, quis que este expressasse tanto o auto-erotismo e a particularidade do gozo quanto a necessidade de delimitá-lo pela Lei. 

Lacan (1985) assinalou que desde o início que Freud se deparou com a complexidade de demonstrar a relação entre a realidade externa e a interna, as causas internas e externas de aumento de tensão e de excitação. Em sua leitura do texto freudiano, destaca das Ding, a Coisa, termo mencionado pouquíssimas vezes pelo criador da psicanálise, mas localizado como origem do desejo. 

Lacan (1985) situa as Ding, o objeto impossível de encontrar e impossível de não perseguir, no centro das representações, atribuindo- lhe a propriedade de ser êxtimo ao sujeito. O neologismo criado por Lacan quer dizer que das Ding é ao mesmo tempo estrangeiro e íntimo, e que está situado fora do simbólico, fora do significante, está no real.

 Lacan (1985) situa das Ding do lado do gozo. Esta concepção será a base para o desenvolvimento do conceito de objeto a, que Lacan irá formalizar em O Seminário 10: a angústia.

Designado pelo próprio Lacan como sua maior contribuição à psicanálise, o objeto é um conceito que foi elaborado durante um longo período de seu ensino. Esta elaboração durou vinte anos, da década de 1950 à década de 1970 (Fink, 1988).

A sua amplitude e efeitos na obra de Lacan são extensos que não seria possível, no contexto deste trabalho, abordá-los em sua totalidade, portanto, se segue uma breve síntese, com ênfase nos aspectos mais relevantes para esta tese. 

Da operação significante há um resto real, um resto impossível de ser inscrito, que permanece apesar da simbolização como a causa traumática, “[...] como aquilo que interrompe o funcionamento tranquilo da lei e o desdobramento da cadeia significante” (Fink, 1998, p.108). Este resto é o objeto dotado da característica de extimidade, não se restringe às limitações de dentro e fora, interno e externo; em sua dimensão de real o objeto a foram conceituado por Lacan em articulação com o desejo e com a pulsão. Destas articulações derivou o objeto a como causa de desejo e como mais-gozar (Fink, 1988).

Para Lacan uma das consequências da ação do significante é tornar o corpo pulsional, é retirá-lo da condição de organismo biológico. É nesse sentido que o autor situa o corpo no campo do outro. O conceito de gozo depende desta ação significante, dessa subjetivação do corpo, sendo fundado naquilo que escapa a esta ação do simbólico. O gozo é do corpo enleado pelo significante, não do organismo biológico da necessidade, trata-se do corpo relacionado à pulsão, inseparável do gozo (Fink, 1988). 

Lacan no Seminário 10: a angústia, dá ênfase ao objeto a como causa de desejo é aquilo que o evoca. Sabemos, com Lacan e Freud, que o desejo não tem objeto específico e que é desejo do outro. Ou seja, o que causa o desejo no sujeito, desde sempre, é aquilo que advém de sua falta: o desejo do outro e não a demanda do outro. A voz e o olhar são associados ao objeto a, na medida em que transmitem o desejo que ultrapassa o objeto da demanda, e por serem impossíveis de simbolizar; portanto, se referem à pulsão, ao real (Lacan, 1985). 

Lacan no Seminário 16: de um outro ao outro, dá ênfase ao objeto como recuperador do gozo, como mais-gozar. Sumariamente, podemos dizer que foi Marx quem denunciou a incorporação, nos valores de troca e uso de mercadorias, da diferença entre o custo de um operário e o lucro que se obtém com seu trabalho - a mais-valia. A função de mais-gozar, elaborada por Lacan, é referida à mais-valia de Marx, na medida em que diz respeito a um excesso (Lacan, 1985). 

Freud (1977) coloca o falo como objeto central na economia do desejo, por ser efeito da castração, caracterizada pela interdição que recai sobre o gozo. Há um gozo referido ao uso do objeto, gozo fálico, e um gozo excedente, que fica retido. O mais-gozar configura a diferença entre o valor fálico de troca e o valor de uso do objeto. 

Lacan se apropria da operação crítica que permitiu a Marx identificar a maisvalia no interior de um sistema de produção de valores pecuniários para chamar a atenção para a diferença entre valor fálico de troca e valor de uso (gozo) do objeto erótico. E se permite a extravagância de anunciar que a Meherwert é um Merherlust (a mais-valia é um mais-gozar). Sem entrar no mérito do alcance desta expropriação psicanalítica da lógica marxista, o que se pretende afirmar é que assim como o modo de produção capitalista gira em torno de um valor excedente, que não entra na contabilidade, o aparelho psíquico se vê à volta com um gozo excessivo, traumático porque irrepresentável (Lacan, 1985). 

Para Fink, (1998) este excesso de gozo na teoria lacaniana significa a recuperação de uma perda, de uma renúncia ao gozo. Sendo assim, a condição prévia do mais-gozar é a renúncia ao gozo. “A renúncia ao gozo é, como tal, em boa lógica, anterior a sua recuperação; todo ganho acarreta uma perda como sua condição mesma” (Fink, 1998, p.28). 

Fink (1998) demostra que essa concepção de recuperação só será introduzida por Lacan já que renúncia ao gozo é desenvolvida junto ao conceito de objeto a como causa de desejo, no Seminário10. A renúncia de que se trata é a renúncia ao gozo do corpo que traz em si a divisão do sujeito, o objeto a se configura aí como resto da operação de divisão do sujeito. 

Em resumo a função do objeto trabalhada primeiramente por Lacan é a de causa do desejo, e o gozo que é enfatizado é o gozo fálico; não obstante, é esse o caminho que o conduz a pensar na função de mais-gozar do objeto. 

Ao assinalar a diferença entre gozo e prazer, demonstra que enquanto o prazer está referido à homeostase do aparelho psíquico, tal qual elaborado por Freud, o gozo é o que está referido ao mais além do princípio do prazer. “Enquanto equiparado ao mais-além do princípio do prazer, Lacan pôde situar o gozo na dimensão da pulsão de morte” (Fink, 1998, p.33).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

6  O  SUJEITO MODERNO: IMEDIATISMO A MEDICALIZAÇÃO

 

Birman (2003), caracteriza o sujeito moderno por um funcionamento psíquico de fracasso na realização e na glorificação do eu e na estetização da existência, ou seja, o fracasso em participar da cultura do narcisismo e do espetáculo. Surge, então, a droga, como solução viável. Com seu uso sistemático, busca-se desesperadamente o acesso à majestade da cultura do espetáculo e ao mundo da performance. Há que se glorificar o eu, mesmo que, para tanto, os caminhos sejam os bioquímicos e os farmacológicos.

Penetra-se, então, no universo das drogas das drogas ilícitas e pelos medicamentos prescritos pela psiquiatria participantes, tanto uma quanto o outro, do mesmo universo, na medida em que visam a tornar o eu apto ao exercício da cidadania do espetáculo. Enquanto as chamadas drogas pesadas têm pôr fim a exaltação nirvânica do eu, inebriando a individualidade para o desempenho na cultura da imagem, as drogas ditas medicinais pretendem, ao conter angústias e sentimento, capacitar o indivíduo para as mazelas do narcisismo (Birman, 2003).

Em meio a essas caraterísticas da contemporaneidade, a psiquiatria ganhou, há apenas algumas décadas, com o desenvolvimento da psicofarmacologia e da neurologia, estatuto de ciência. Também deixou de ser uma disciplina voltada exclusivamente para o tratamento da loucura e passou a tratar dos pequenos mal estares cotidianos e da dor de existir, com um consequente aumento da medicalização das dificuldades psíquicas e emocionais. Para cada mal, a psiquiatria passou a ter um remédio (Birman, 2003).

Fortes (2004) aponta a busca de maneiras de medicar nossos nervos. Aos opiáceos sucedeu a cocaína, depois foi a vez dos barbitúricos, logo vieram as anfetaminas e, enfim, chegaram os ansiolíticos. Nessa sucessão, observa-se uma espécie de alternância a uma substância a ser consumida para subir segue-se outra destinada a descer. Inicialmente, respostas a necessidades médicas logo são adotadas como corretivo da banalidade cotidiana. São substâncias que modificam a existência do homem e sua presença no mundo. Há, portanto, no seu uso, para além de um propósito terapêutico, um intento hedonista, visto que urge seja o sofrimento banido de qualquer maneira.

Ainda segundo o autor, o sucesso dos antidepressivos na década de 1990 não foi fruto de nenhum triunfo da ciência. Antes, é a consequência da nova atitude cultural, queremos que nosso sofrimento psíquico deixe de ser um drama subjetivo e passe a ser visto e vivido como um problema médico. Aos antidepressivos é pedido que tratem nosso mal-estar como uma disfunção do corpo, posição que leva a um assujeitamento, ou seja, o sujeito se retira de seu sofrimento, que passa a ser um mero distúrbio neurofisiológico. Instala-se a passividade e a pessoa não se vê como protagonista do seu adoecimento. Há como que a desistência da dura tarefa de mudar.

Desde os primórdios originários do psiquismo, o sujeito é sempre convocado a fazer uma espécie de escolha em relação a um outro, quando a criança abre mão de seu advento como sujeito dividido para não assujeitar-se ao outro com linguagem, ela está escolhendo um caminho de vitória de si não se alienando ao outro, mas adoecendo em si na forma subjetiva de uma psicose ou autismo. Escolhas implicativas cruciais que tendem simplesmente a conformar modos de subjetivação obliteradores radicais da fenda, também radical, posto que iniludível, que é o desamparo originário (Dolto, 2005).

Para Dolto (2005) a alteridade está presente desde a origem do psiquismo como fundante deste, conforme as operações fundamentais descritas na leitura Lacaniana, mas também está em permanente dialética com os processos de subjetivação nos modos de vivência atuais. O outro, que é fundante desde a origem de uma criança, é também este outro que se transforma mediante o contexto sociocultural, o qual também interfere no processo contínuo de subjetivação. Nesta condição, os modos de vivência estão implicados na origem psíquica, sendo esta uma articulação histórica que nos leva a considerar impensável tal origem como propriamente histórica. Desta forma, consideramos que a relação entre o que se dá num arrolamento intersubjetivo inicial dentro de uma perspectiva micro (desejos), também se dá numa perspectiva macro (cultura).

Se o indivíduo pós-moderno considera que a tudo pode escolher, isto se constitui em um campo de ilusão, pois haverá um instante em que este campo demonstrará sua fragilidade, evidenciando a angústia do real que se desaponta, ainda que seja em condições evacuatórias em ato (a pulsão sem mediação). A angústia evidencia-se também na ordem do gozo, nas patologias do vazio, nas condições psicossomáticas onde há falta de representação, nas depressões e nas apatias. Estas últimas, fortemente caracterizadas pela desafetação, como em grande manifestação contemporânea do esvaziamento e precariedade da construção do espaço psíquico, em que ideias e afetos se fazem representar, com sérias dificuldades de significar a dor e expressá-la em toda a sua extensão (Birman, 2003).

Por sua vez, a relação de alteridade (simbólico e material) ganha um contorno bastante singular. A atualidade revela um modo de relação masoquista intersubjetiva bastante proeminente. "O masoquismo da contemporaneidade é uma figura tecida socialmente por meio de uma rede horizontal: um outro indivíduo, um par, é posto pelo sujeito [masoquista] no lugar de mestre, soberano (...)" (Fortes, 2004, p. 76). Frente à dor de viver o desamparo como algo encarnado, sentido de forma visceral pelo indivíduo, este realiza novos mecanismos de constituir-se psiquicamente. Nesta posição masoquista, há uma relação de subserviência a um outro, que está colocado em condição magistral para fazer frente ao desamparo. Nesta perspectiva, o sujeito entrega-se ao desejo do outro, servindo de objeto de expiação frente à carência erótica originada pelos tempos de hiperconsumo. As relações de alteridade servem, sob esta nova perspectiva, para relegar a dimensão da falta a um limbo qualquer, visto os estados fusionais e homogeneizantes. O que se encontra em pauta nesses modos de relacionamento masoquistas não é a dor que o sádico imprime ao masoquista, mas sim o estado de servidão, humilhação e assujeitamento em que o masoquista se coloca (Fortes, 2004).

Este modo de subjetivação atual que traz em si estes ideais subjetivantes (narcísicos, hedonistas) nesta perspectiva macro (histórico-social e cultural) em sua dialética com o estado originário, leva a uma frouxidão da relação simbólica originária, que tem oscilado e vacilado. Na clínica infantil esta fragilização nas relações iniciais pode ser pensada como um dos fatores causadores de transtornos que se evidenciam no campo da linguagem, ou seja, da fala propriamente dita, de crianças que, embora tenham o aparelho fonador perfeito, não conseguem falar.

Birman (2003) aponta para a fragilidade na relação com o outro e para a fissura da própria identidade que se traduz na pergunta constante de quem sou, o que faço e o que desejo. Muito embora o indivíduo possa se dizer livre para escolher, ele fica aprisionado a essa pseudoliberdade, que nada mais é que a inexistência de laços que o conduzam pela vida. Preconiza que a doença atual é uma doença de vínculos e que a liberdade do vazio não encontra outra resposta a não ser a angústia.

É possível que nosso maior mal-estar repouse exatamente nessa doença dos vínculos ou, se quisermos, do narcisismo. Já não cremos, não obedecemos, não nos orientamos, não admiramos. E nesse abandono ao outro vai encouraçando nossos invólucros narcisistas. O descartável é o predominante em nossa época: valores, pessoas, relações, instituições, objetos, teorias. Assim sendo, necessariamente, para enfrentar o vazio da desesperança, o mundo necessita ser fetichizado, valores são incorporados ao sem valor. (Birmam, 2003)

Para Birman (2003) a fetichização é que dá a sustentação à mercadoria como objeto de consumo, sustenta o mito da tecnologia que se reitera sem cessar, através de um objeto consumível e nunca atingido, sempre com a promessa de um novo e melhor, numa cadeia simbólica infinita e sempre mais cara. É como se tivéssemos sempre correndo atrás de um objeto pleno da promessa de felicidade e prazer, mas que sempre nos deixa em defasagem, na medida em que outros objetos surgirão numa velocidade alucinada, nos remetendo a mesma promessa.

Um discurso médico que imputa a simples causas orgânicas (falta de serotonina, excesso de dopamina) as dores de existir. E o entusiástico excesso nessa direção é tanto que, no pacote, incluem-se doenças até ontem consideradas não mais do que traços da personalidade, como o mau humor e o pessimismo, entre inúmeros outros (Birman, 2003).

Aí está a motivação mais do que suficiente para as pesquisas, que se multiplicam, com o objetivo de formular um remédio que propicie um estado de felicidade imune aos psiquismos, imperturbável diante das vicissitudes da vida: a pílula mágica. O sucesso dessa idéia deve-se, sem dúvida, à procura de um caminho fácil para o preenchimento do vazio interior - causa de ansiedade exasperante - que tomou conta das pessoas neste início de século. Apregoa-se a falácia de que, para cada sofrimento, físico ou mental, existe um remedinho milagroso (Birman 2003).

Dentro desse quadro, não é de se estranhar que se tenham tornado estigmatizantes certos tipos de comportamento e de síndromes, como a depressão, por exemplo. Ela não é tolerada nem em si mesmo nem nos outros. E não é tolerada porque, sendo os indivíduos, em nossa sociedade, constantemente instados a tomar decisões, a mover-se, a fazer coisas, a agir, quem se isola e se recolhe a um canto é criticado, desprezado. Impossível negar a determinação social existente na forma como são considerados os distúrbios de humor, nos seus dois pólos: o maníaco e o depressivo. Nas sociedades competitivas, o pólo maníaco é muito mais aceito e, até mesmo, estimulado (Birman, 2003).

Para Birman (2003) é preciso diferenciar a depressão propriamente dita (com sintomas incapacitantes e que trazem muito sofrimento) das baixas do humor normal da vida. Há uma banalização do seu diagnóstico e qualquer tristeza passa a ser depressão e com necessidade de tratamento.  Os tempos atuais é grande o número de pessoas que procuram o psiquiatra não porque estejam doentes, mas porque desejam mudar o seu humor, sua personalidade, seu jeito de ser. Querem fazer uma maquiagem no seu psiquismo, no seu estado de espírito. O bem de consumo prometido é um comportamento ideal, uma alegria artificial que não dá margem a alterações de humor, que pode ser percebida ao analisar as propagandas dos laboratórios farmacêuticos onde há pessoas estonteantes de tanta alegria e vigor, substância mágica da atualidade e autorizada é, então, o antidepressivo, o que mostra como a depressão é o espectro da modernidade. Mas esse estado humoral nem sempre foi considerado como doença. Para os filósofos na Grécia Antiga, bastava controlá-lo. A melancolia era uma predisposição que levava a um distúrbio dos humores, um excesso do que eles chamavam de bile negra, curável por dietas e purgas. Nada de preocupante e quase sempre associado à capacidade de criação do artista, filósofo ou herói. É a modernidade que vê na melancolia um problema, possivelmente por ser uma ameaça à inserção social do indivíduo e à capacidade produtiva.

 

             

7  ILUSTRAÇÕES DO COTIDIANO

 

Fortes (2004), ilustra o cotidiano em que vive sujeito pós moderno colocando que nos dias de hoje há um apelo emblemático ao prazer. Um prazer que não se resume apenas à ausência de sofrimento, mas que há de ser intenso, imediato, nãonegociável. O imperativo é: “quero agora, quero muito, quero tudo, e sempre”. (Fortes, 2004, p.103). Para o autor o discurso social idolatra a posição de plenitude alcançada sem muito esforço. É a tentativa de abolição da falta, do vazio e de qualquer insatisfação. Já não se valoriza a satisfação pequena, ordinária, comum; o máximo de prazer - e que seja imediato é o que se quer.

Para Fortes (2004) estar sempre bem, de bom humor são os estados de espírito que o discurso atual valoriza. O desejo visa, sempre, à imediata satisfação, já que seu adiamento apresenta-se intolerável. Não há abertura para escolhas, e a negociação entre perdas e ganhos inexiste. 

A publicidade é, a esse respeito, paradigmática traz, ao consumidor, promessas de felicidade e de satisfação absolutas. Nas imagens veiculadas, há sempre um sorriso estampado nos rostos, de plastificada beleza, que vende a proposta de viver um prazer contagiante (Fortes, 2004). 

Fortes (2004) aborda as patologia mentais que passam cada vez mais ser um campo da psiquiatria embasada neurociências. O campo psiquiátrico teria encontrado, enfim, com as neurociências, suas bases seguras, biológicas e mais que isto, teria se revelado como intrinsecamente biológico. Para o autor, estamos na era do Prozac, no reino dos neurotransmissores, na década do cérebro. A psiquiatria biológica, a partir das neurociências, propõe modelos biológicos para explicar uma gama extensa de fenômenos psiquiátricos e psicológicos: angústia, fobias, obsessões, depressão, esquizofrenia, farmacodependências, personalidades, delírios, inteligência, afetos, humor. O problema é que, em geral, tomam esses fenômenos redutíveis inteiramente à biologia. O fenômeno psicopatológico é concebido como produto de um distúrbio neurofisiológico tratável farmacologicamente. Nessa concepção, o sintoma expressa no plano psíquico aquilo que é primariamente um transtorno da neurotransmissão cerebral. Entre o psíquico e o psicopatológico haveria uma ruptura que é função de diferenças estritamente biológicas. Assim, nessa linha de pensamento, o biológico transforma o psíquico em psicopatológico, visto que o psíquico é tido como efeito do orgânico.

Dessa forma, o tratamento se resume em uma intervenção no corpo, para uma retomada do equilibro neurológico. Não se pretende mais, no discurso médico, a cura (que atuaria nas causas), mas a regulação do mal-estar, apenas uma eliminação dos sintomas (Fortes, 2004).

Com a crescente melhora dos resultados terapêuticos obtidos pelos tratamentos medicamentosos, reduzindo drasticamente o tempo e o gasto econômico necessários para se obter um alívio do sofrimento e das limitações impostas pela dor mental, a psicanálise (ou qualquer proposta de psicoterapia) passou a ver-se numa posição desconfortável quanto à justificativa de suas propostas clínicas, num mundo onde cada vez mais são valorizadas a eficiência, a rapidez e a garantia (Fortes, 2004).

8  FENÔMENOS PSÍQUICOS DA ATUALIDADE

 

Em Psychanalyse et politique, Sauret (2005) elege uma forma de abordar psicanálise e política: promover a análise das relações entre sintoma e campo social, do mesmo modo que se encontra nos textos freudianos sobre psicanálise e cultura e na teoria lacaniana acerca do laço social. Em seu entendimento, a psicanálise permite revisitar qualquer uma das questões que se coloque na sociedade, pois possui recursos de doutrina, de onde o campo social pode tirar proveito. 

O autor inicia sua análise, a partir do estabelecido por Freud: a função paterna marca a passagem do estado de animalidade para o de humanidade, garantindo a lei que interdita o incesto. Esta lei permite ao sujeito assegurar-se dos fundamentos de sua relação com a linguagem e com o gozo, sem os quais não existiria sociedade. O acesso à humanidade não é algo que está por ser feito e, portanto, aquele que se inscreve no laço social deve pagar sua cota de gozo à sociedade. Por conseguinte, o efeito da renúncia ao sexual, ao gozo, é a neurose, sequela da dessexualização que fundamenta a origem do sujeito. A partir desses pressupostos, a psicanálise se estabeleceu como prática de tratamento e teoria da neurose. Mas, não é todo gozo que passa à castração, portanto, sublinha Sauret, a entrada no laço social produz um resto, um além do princípio de prazer. É este resto de gozo, ineliminável, que o sintoma fixa. Dessa maneira, o neurótico encontra-se situado entre a relação sintomática com o sexual e com o social, e ao mesmo tempo, o caráter singular do gozo de seu sintoma fere esse mesmo laço social, fazendo objeção a ele. 

Toda essa elaboração, feita por Freud, foi renovada por Lacan. Ao destacar o Complexo de Édipo como estrutural, através da operação da metáfora paterna, introduz o significante do Nome-do-Pai como aquele que promove um ideal de renúncia ao gozo e opera no sentido da inclusão do sujeito em uma realidade dessexualizada. Qualquer que seja o ideal proposto, ele se apresenta como um significante mestre, destacado como o significante que polariza um saber do exterior, que ordena aquilo que se apresenta em um discurso, presidindo sua lógica interna e ditando seu lugar aos sujeitos que o tomam. Por advir do exterior, o S1 é arbitrário. Ele toma como exemplo os significantes macho e fêmea, que inseridos num discurso teriam como S1, a biologia (Fink, 1988).

O Nome-do-Pai, como significante mestre, ordena o sacrifício do gozo, cultivando as neuroses, uma vez que já trazem incluídos em seus sintomas, a necessidade e o meio de reiterar o laço social. Ressalta que o tratamento psicanalítico conduz o sujeito ao ponto de descoberta do que é irredutível aos outros, seus semelhantes, confirma, ou cria, uma via singular para instalar-se, renovando-se no laço social. Do que depreende que essa dimensão do social é indissociável do fim da análise (Fink, 1988).

Sauret (2005) levanta uma questão sobre a perenidade da psicanálise, será que cem anos depois de sua invenção ainda é possível sustentar, com Freud, o caráter revolucionário da psicanálise? O autor responde que para pensar a contemporaneidade à luz da psicanálise, é preciso incluir elementos do ensino lacaniano, que não são homogêneos nem ao laço social, que funciona sob a ordenação simbólica, nem à neurose. Entende que existe uma homogeneidade de estrutura entre o laço social contemporâneo e a psicose. Ambos se referem a um gozo deslocado, à foraclusão da castração, e a uma tentativa imaginária de regulação. Porém, enfatiza que isso não significa que os sujeitos contemporâneos sejam psicóticos, e acrescenta que há, na sociedade atual, uma série de sujeitos não psicóticos que encontraram nessa rejeição do sexual um meio de se desembaraçar das barras do sexual. 

O autor coloca ainda que Freud percebeu que os neuróticos não adotavam uma solução religiosa que os dispensasse da neurose ou de criar para si mesmos uma resolução individual. Desse modo, chamou atenção para o protesto sintomático do neurótico contra a possibilidade de ser reduzido a um elemento do saber religioso.

Nesse sentido, Freud afirmou que a neurose constituía um progresso sobre a religião. 

Mas, quanto às configurações presentes na sociedade atual, o autor diz que a situação parece ser muito diferente. O pensamento único, a ideologia dominante, é compatível com uma “desaparição das neuroses” (Sauret, 2005 p.17). As patologias preponderantes, na atualidade, são feitas de localização, de acumulação, de proteção dos gozos particulares de cada um. Então, “[...] a sociedade, doravante, longe de exigir mais sacrifício, reivindica a presença como outros signos de riqueza: psicossomatização generalizada, toxicomania, e adições diversas, de um lado, e depressão, anorexia e bulimia, de outro” (Sauret, 2005, p.17). 

Além dessas manifestações clínicas, o autor aponta alguns outros destinos contemporâneos como um retorno ao religioso pela via das ideologias sectárias, racistas e integralistas, correspondente à tentativa de erigir um pai na desmesura do gozo, um Pai da Horda. Esforço para não deixar nenhum espaço de incerteza no lugar da lei, que é acompanhado por um aumento, sem precedentes, de atos e afazeres que colocam em causa, os políticos: 

Não está aí a marca da desaparição de uma das consequências do parricídio freudiano: a culpabilidade? Em seu lugar cinismo, indiferença, busca desenfreada de gozo, solipsismo. E a necessidade de retornar à velha ideologia racista para traçar os novos limites da comunidade: abandono do laço social pela horda primitiva! (Sauret, 2005, p.19). 

 

Isso não significa, diz o autor, que violência, racismo e exclusão não tenham existido antes. Contudo, hoje se inscrevem em outra lógica, a serviço desse novo laço social o capitalismo que lhe confere novo vigor. Porém, ao mesmo tempo, para Sauret, a existência de poetas, escritores, certos filósofos, e da própria psicanálise, prova que o discurso capitalista não é o único. 

Sauret (2005) defende a idéia de que a psicanálise se faz necessária, nesse contexto, pelo diagnóstico que apenas ela porta. O inconsciente, o caráter intelectual da sexualidade, o falo e a castração, o lugar do pai, a função do sintoma, a pulsão, o tratamento da neurose pelos meios da transferência e da interpretação, são conceitos e noções que o autor destaca como determinantes e que não existiriam sem Freud: “Após a invenção da psicanálise o mundo mudou” (Sauret, 2005, p.65). E com ela, pode continuar mudando. 

 Recalcati (2004) oferece uma leitura da situação contemporânea à luz do ensino de Lacan. Entretanto, enquanto   dá ênfase Sauret (2005) ao campo social, para Recalcati (2004)   a clínica é preeminente. Em seu artigo intitulado: “A questão preliminar na época do Outro que não existe”, Recalcati (2004) se debruça sobre questões em torno do atendimento psicanalítico, expondo teorizações sobre os denominados “novos sintomas” (Recalcati, 2004, p.1). Segundo o autor, hoje, há uma promoção do “sujeito-gadget” (Recalcati, 2004, p.1). Ou seja, o sujeito é chamado ao lugar de consumidor dentro da lei atual do mercado, que não o particulariza. Ela valoriza apenas a necessidade de produção de novos objetos, oferecidos como solução imediata para a falta-a-ser que habita o sujeito. Essa configuração associada ao discurso da ciência - promoção do saber especialista como solução pragmática do problema da verdade - realiza uma expulsão-anulação do sujeito do inconsciente. 

Para Recalcati (2004), os “novos sintomas” são um efeito desta expulsão “[...] sendo produtos específicos do discurso capitalista em seu enredamento espectral com o discurso da ciência” (Recalcati, 2004, p.1). As toxicomanias, depressão, anorexia e bulimia, são incluídas, por esse autor, na nomenclatura de “novos sintomas”. 

Lacan (1985) sistematiza suas reflexões sobre o enlace entre a ciência positivista e a psicanálise, ao demonstrar que o sujeito da psicanálise é o mesmo sujeito da ciência. Na era clássica, o cartesianismo fundou o método científico da modernidade. Assim, criou a possibilidade de fazer existir o sujeito como objeto do pensamento, distinto da imagem deste sujeito e distinto do real. 

Nesse sentido, Lacan (1985) afirma que a psicanálise nasce da ciência por lidar com o sujeito como objeto do pensamento. Porém, enquanto a ciência quer se dedicar, exclusivamente, ao que é possível pensar, dizer e conceituar, a psicanálise, além de trazer à luz o que o saber científico tenta ocultar, se dedica, também, ao sujeito como vazio de significantes, ao impossível de pensar, de dizer, ao real do sujeito, que é justamente o que a ciência excluí. 

 Recalcati (2004) refere a psicanálise e à metodologia cartesiana por inserirse nos mesmos fundamentos da ciência moderna. E tomar a disciplina fundada por Freud, assim como ele sempre o fez, como método de investigação, mas um método que tem como único intuito resgatar aquilo que a ciência, propriamente dita, exclui de seu âmbito: o sujeito. É neste ponto, justamente, que a psicanálise funciona como contribuição à ciência, na direção de fazer aparecer o sujeito aonde ele parecia estar excluído. 

Diante disso, Recalcati (2004) sublinha que há uma “questão preliminar” (Recalcati, 2004, p.1) a ser pensada para que a psicanálise possa fazer resistência a esta expulsão-anulação do sujeito do inconsciente. Não que o autor destitua a existência do sujeito do inconsciente ou que suponha que não se possa mais considerar o inconsciente freudiano ao tratarmos do sujeito contemporâneo. Mas, sim, que o sujeito não é um dado de fato, há condições que propiciam ou não sua existência. Seu ponto de vista é o de que a cultura promovida pela sociedade de consumo, na medida em que tenta extinguir de seu horizonte os conflitos, caminha em uma direção contrária ao sujeito dividido.

Para Recalcati (2004) se realmente, na época de Freud, o inconsciente era o inaudito, o escandaloso, a peste, hoje parece confinado aos territórios arcaicos da superstição. Em outras palavras, a resistência social ao sujeito do inconsciente não assume mais a forma descrita no tempo de Freud da refutação escandalizada, mas a de um ceticismo desencantado. Enquanto, de fato, a histeria freudiana celebrava a verdade do sujeito do inconsciente, os novos sintomas negam cinicamente sua existência. Um programa de psicanálise aplicada ao social se impõe: “como introduzir novos significantes para continuar a fazer existir o sujeito do inconsciente. “(Recalcati, 2004, p.2). 

 Partindo desta questão, o autor propõe primeiramente um programa de aplicação da psicanálise no campo social como intervenção além da dimensão terapêutica. Especialmente em uma época em que constatamos o predomínio das psicoterapias de orientação cognitivo comportamental, que impõem um conceito de efeito terapêutico, totalmente adaptativo, reduzido à restauração das funções normais do sujeito. E, para a clínica, propõe um tratamento preliminar direcionado aos sujeitos que apresentam essas sintomatologias específicas. 

Para dar prosseguimento à sua proposta Recalcati (2004) evoca a teorização lacaniana acerca da questão preliminar. Inicialmente, Lacan (1985) se refere a esta questão no que diz respeito à clínica das psicoses, e depois a situa em relação à dialética do tratamento como tal. Nas psicoses, não há de fato recalque e como consequência, não há “realização simbólica do sujeito do inconsciente” (Recalcati, 2004, p.2). O que ocorre é um retorno, diretamente no real, do que não pode ser simbolizado. 

Ao comparar a clínica das psicoses com a das neuroses, o autor ressalta que, no caso das neuroses, o real do gozo recebe um tratamento realizado pela operação da metáfora paterna, que tem como efeito a castração do gozo (do Outro) e que abre simbolicamente o lugar do sujeito. 

Já a clínica das psicoses se funda justamente sobre o fracasso desse tratamento preliminar do gozo ministrado pela operação simbólica, que gera a exigência de uma clínica que faça suplência a ele. Em outras palavras, é pela falência da função simbólica no nível da estrutura do sujeito, que Lacan (1985) reconhece a necessidade teórica e clínica de um tratamento preliminar no âmbito das psicoses. Nesse ponto, em conformidade com a análise também Recalcati (2004) relaciona essa primeira direção da questão preliminar com as questões da clínica contemporânea.

É muito importante lembrar esta origem da questão preliminar em Lacan porque a clínica contemporânea confronta-se precisamente com a fraqueza estrutural e generalizada da metáfora paterna, com os efeitos vários do retorno do gozo no real que tornam irredutíveis os novos sintomas ao regime significante da equivalência sintoma metáfora (Recalcati, 2004). 

 A respeito das entrevistas preliminares para além da clínica das psicoses, Recalcati (2004) ressalta a insistência de Lacan sobre a importância do exercício dessa prática. Esta insistência baseia-se no fato de o sujeito do inconsciente não poder ser tomado como um objeto empírico, pois o pressuposto essencial para a existência do sujeito do inconsciente é, ao contrário, a oferta da escuta analítica que prepara inclusão do analista no próprio conceito de inconsciente enquanto constitui, dele o endereçamento. 

Sendo assim para Recalcati (2004)   no âmbito das neuroses, o tratamento preliminar visa a entrada em análise. O sintoma é causa da demanda de análise, que, por sua vez, é ponto de mediação e articulação entre sintoma e transferência. Esse início requer uma dupla transformação da demanda. A primeira está na posição que o sujeito assume em relação ao sofrimento do qual padece. Trata-se de uma transformação ética, ou seja, consiste em indicar ao sujeito a parte que ele tem na produção e manutenção da sua condição de sofrimento. Ressalta a dimensão da verdade. Há uma demanda de ajuda, um apelo a uma solução que venha do Outro, uma vontade de curar-se sem querer saber sobre a causa do seu sofrimento, sem querer saber. A operação preliminar deve abrir, no sujeito, uma questão sobre isso, que não possa responder imediatamente, e que o mobilize na direção da busca de sua verdade, e “Nesse sentido, deve tornar-se mais importante a verdade da causa do que a extirpação do sofrimento sintomático” (Recalcati, 2004, p.3). 

Para o autor, na atualidade, a questão preliminar se coloca na medida em que podemos constatar, através do trabalho clínico, uma predominância do agir em relação à simbolização. Por isso, Recalcati (2004) esta em concordância com Sauret (2005), que a clínica psicanalítica na contemporaneidade parece revelar sua dimensão genericamente psicótica. Porém Recalcati, (2004) enfatiza que isso não significa reduzir o sintoma contemporâneo a um diagnóstico ou à estrutura da psicose. Em contrapartida, afirma a necessidade de reconhecermos que a clínica do recalcado -e, portanto, o sintoma como formação do inconsciente não pode incluir a nova clínica que é, aponto, uma clínica marcada pela desagregação do caráter simbólico do sintoma e do retorno do gozo no real. É neste sentido, então, que ele pensa ser necessário um trabalho preliminar específico. 

Dando prosseguimento à sua análise, o autor utiliza o termo: “demanda convulsiva” (Recalcati, 2004, p.4) para demarcar as diferenças da demanda contemporânea, engendrada, e altamente estimulada, pela cultura de consumo. Esse termo foi pinçado pelo autor da História por Jacques-Alain Miller, para denominar a demanda gerada pelo consumismo e distingui-la da demanda que se mantém em relação ao desejo a demanda convulsiva não responde ao desejo como resto. Essa é antes eletrizada pelo objeto de gozo e sua marca que, no discurso do capitalista contemporâneo, é aquilo que mede o poder causador do objeto-fetiche mais além do seu valor de troca (Recalcati, 2004). 

 Não se trata do resto da satisfação da demanda, que funcionaria como índice do desejo a orientar a demanda com a falta-a-ser do sujeito, situada em seu centro, mas é o discurso do capitalista que produz seja o vazio do objeto, seja o objeto capaz de preenchê-lo.  Em outras palavras, o sujeito contemporâneo não vai ao supermercado para procurar o que lhe falta, mas é o supermercado como agência da demanda convulsiva que indica ao sujeito aquilo que lhe falta (Recalcati, 2004).   

Outra vertente, explorada pelo autor, é a demanda melancólica ou o “caráter melancólico da demanda” (Recalcati, 2004, p.5). Na melancolia, há uma presença excessiva do objeto, o sujeito melancólico é invadido pelo objeto, assim pode-se dizer que “A melancolia é efetivamente o avesso do luto; o objeto está bastante presente e impede o sujeito de proceder em direção à simbolização de sua perda” (Recalcati, 2004, p.5). 

Enquanto, na demanda convulsiva, o objeto se torna ativo, ganha poder uma vez que retratado como objeto dispositivo na demanda melancólica, o sujeito se esvai, se dissolve junto com os objetos e o tudo se reverte em nada. Em outras palavras, “A dimensão melancólica da demanda contemporânea alude, portanto, como também a dimensão da demanda convulsiva, a um afastamento radical da simbolização do objeto perdido” (Recalcati, 2004, p.5). 

Na clínica, e de acordo com essa configuração da demanda na contemporaneidade, a “tríade clássica sintoma-demanda-transferência” (Recalcati, 2004, p.6), característica do tratamento preliminar na condução da análise nos casos de neurose, torna-se mais complexa quando não se apresenta desarticulada. Segundo Recalcati(2004): “Esta desarticulação é gerada pelo fato de que os novos sintomas não manifestam tanto o sujeito dividido [...]” (Recalcati, 2004, p.6). O autor entende que nos casos em que o sujeito faz um uso perverso do objeto, com o qual pretende cobrir a falta, cria uma via perversa para lidar com a divisão subjetiva. 

Outra dificuldade da articulação do sintoma com a demanda ocorre quando

este parece estar mais do lado do traço identificatório - S1 - do que do sujeito dividido. A transferência, então, não surge mais do par sintoma-demanda porque não se endereça ao saber, apresenta-se como fixada ao S1, ou ao objeto de gozo: “[...] o desenvolvimento simbólico da transferência encontra na transferência à identificação idealizante ou ao objeto de gozo uma força que parece desarranjar a tríade sintomademanda-transferência” (Recalcati, 2004, p.6). 

Dentre os efeitos mais evidentes dessa “paralisia” (Recalcati, 2004, p.6) da transferência analítica, o autor destaca o uso dado à palavra que “em vez de colocarse no centro da dialética do desejo, aparece como esvaziada de sentido, supérflua, impotente” (Recalcati, 2004, p.6). Desse modo, a dialética da palavra, assim como a dialética do desejo, aparecem como que anuladas por essa fixação da transferência ao objeto no lugar da transferência endereçada ao saber. E neste contexto, a demanda fica reduzida à exigência superegóica de preservar essa solução sintomática. ,

 Recalcati (2004) conclui que essas soluções sintomáticas não são, a rigor, formações do inconsciente, no sentido clássico do termo, não se organizam num regime significante. Ao invés disso, apresentam-se como prática pulsional, “[...] técnica de gozo que contrasta com o sujeito do inconsciente” (Recalcati, 2004, p.7). Diante desse quadro, o analista se interroga sobre como poderá operar, como tornar possível uma aplicação eficaz da psicanálise nesses casos. Para o autor, o que é um elemento de estrutura, ou seja, a diferenciação entre o plano simbólico do significante e esse real do gozo apresenta-se “[…] radicalmente amplificado na nova clínica, impondo à aplicação da psicanálise uma inevitável rearticulação” (Recalcati, 2004, p.7). 

Sua suposição é a de que para tornar a interpretação eficaz, nesse contexto, há de se promover, primeiramente, uma retificação do Outro para que se possa, posteriormente, realizar a retificação do sujeito. Em sua compreensão, esses fenômenos clínicos resultam de uma relação com um outro incapaz de operar com a própria falta que o sujeito encontrou em sua história. Esta incapacidade faz com que este outro se apresente como se fosse um outro pleno. O outro é o lugar de alteridade e por isso mesmo, a existência de um outro sem falta é impossível. É neste sentido que o autor recorre à expressão outro que não existe para apontar esse paradoxo que se apresenta concomitantemente na história pessoal dos pacientes e na cultura do nosso tempo (Recalcati, 2004).

Retificar o Outro seria encarnar, como analista, “um Outro que saiba não excluir, não anular, não refutar, não silenciar, não preencher, não sufocar, não atormentar” (Recalcati, 2004, p.7). O objetivo da retificação do Outro é o de implicar o sujeito numa transferência com o Outro. A prática das entrevistas preliminares na “clínica clássica das neuroses” (Recalcati, 2004, p.7) visa a retificação da posição do sujeito, que tem como decorrência a apropriação da responsabilidade subjetiva, que provoca uma “mutação radical da demanda” (Recalcati, 2004, p.7). 

Na “nova clínica” se faz necessária uma “mutação radical da oferta” (Recalcati, 2004, p.7). Para o autor o analista deve refletir sobre as seguintes questões: “qual Outro estamos à altura de oferecer ao sujeito? Qual Outro-parceiro estamos à altura de ser para um sujeito, presa de um excesso de gozo, que parece extinguir o poder da palavra e anular a própria existência do inconsciente?”(Recalcati, 2004, p.7). Dessa maneira, propõe que a ênfase dada na direção do tratamento preliminar na clínica contemporânea esteja em pensar sobre o lugar do Outro na dinâmica psíquica do sujeito a fim de que se possa construir, nesse primeiro tempo, um sintoma propriamente dito. 

Portanto, Recalcati (2004) supõe que a origem dessas respostas sintomáticas está na relação que o sujeito estabeleceu com um outro que não sabe lidar com sua própria falta e, assim, vê a retificação do outro como uma possibilidade no contexto do trabalho clínico com pacientes graves de promover o desenvolvimento da transferência sobre o eixo simbólico, necessário para que a análise propriamente dita se dê.

Apesar das diferenças entre suas perspectivas, os autores revisitados neste capitulo têm alguns pontos em comum. Todos reconhecem que na contemporaneidade há uma tendência para tentar eliminar o conflito, a inquietação, a falta que habita o sujeito, ao invés de se indagar seu sentido. Reconhecem ainda a busca crescente por soluções imediatas que funcionem dentro da lógica da normatização e que são propostas adaptativas. Descrevem o indivíduo contemporâneo como o avesso do sujeito do inconsciente, e enfatizam o empobrecimento do uso da função simbólica, cujas manifestações são exemplificadas, dentre outras, por cadeias metafóricas curtas, pobres, falência da função paterna. Outros pontos reconhecidos pelos autores são o aprisionamento do sujeito em um curto-circuito gerado pela satisfação das pseudonecessidades, os objetos como dispositivos, objetos-fetiche, que funcionam como satisfação ilusória e não apontam para o desejo. Há uma mudança significativa no modo como o sujeito se situa em relação ao sexual, ao gozo e ao social. Não que se trate de uma subjetividade inédita esses quadros de sofrimento já existiam anteriormente porém, como disse os novos laços sociais dos capitalismo, lhes renova o vigor.

 

             

9  AS NEUROSES ATUAIS

 

 

A psicanálise foi criada por Freud no alvorecer do século XX para atender pacientes que apresentavam sintomas incompreensíveis e diagnosticados equivocadamente, o que resultava em tratamentos inadequados ao sofrimento apresentado pelo sujeito. Tais sintomas, evidentemente, não estavam descontextualizados, nasciam em meio à modernidade e ao que se convencionou chamar de falência do patriarcado (Roudinesco, 2003).

Lacan (1985) localizou o nascimento da psicanálise e a posicionou em meio à ebulição cultural que dissolvia as mais variadas formas de composição da família e outras organizações sociais, constituintes do quadro paternalista feudal e mercantil. Ressalta-se, mais uma vez, a evidência da relação entre os sintomas surgidos à época de Freud e o aparecimento da psicanálise como um método de tratamento para as psiconeuroses de defesa (Fink, 1998). 

 O papel da psicanálise foi, primeiramente, ao tratamento da histeria e, logo, se estendeu à neurose obsessiva, que até então era considerada pela psiquiatria como psicose. Freud trabalhou na direção de pensar um aparelho psíquico em íntima consonância com o saber inconsciente. Estendeu sua teorização à cultura, passo fundamental para o desenvolvimento da psicanálise, e que contribuiu substancialmente para a crítica psicanalítica ao processo civilizatório. Entretanto, a clínica sempre foi sua referência e as psiconeuroses sempre tiveram um lugar de destaque em seu pensamento (Roudinesco, 2003).

Freud (1977) define inicialmente, como a consequência de um conflito entre dois princípios o de realidade e o de prazer que resultava num acordo, uma formação de compromisso entre as exigências da pulsão e os limites impostos pelo eu. Esta formação de compromisso era manifesta em forma de sintoma. Um sintoma psiconeurótico é sempre uma substituição simbólica, uma substituição de representações. Postulou que o discurso inconsciente, para o qual inaugurou uma escuta, se estabelece através de representações são os Vorstellung, manifestados sob a forma de deslocamento e condensação. Os sintomas neuróticos sempre remontam à origem infantil. A fim de transpor as questões suscitadas pela oposição entre causas endógenas e exógenas. 

Freud (1977) sistematiza a formação da psiconeurose em um esquema, que denominou série complementar, onde o fator endógeno fixação da libido, subdividido em hereditariedade e vivência infantil, e o fator exógeno frustração da libido atuam em composição.  

O sintoma da psiconeurose é uma formação do inconsciente, resultante de um conflito entre o desejo inconsciente e as exigências da realidade, efeito do recalcamento. O sintoma é então o retorno do recalcado sob a forma de representação psíquica simbólica. Ao tratar da etiologia das neuroses, Freud dá destaque à adesividade pulsional, que define como a tenacidade com que a libido adere a determinadas tendências e objetos. Considera esta adesividade fundamental na etiologia das neuroses, uma vez que contribui para a fixação da libido. Esta fixação da libido está relacionada ao que se identifica como um núcleo resistente à análise, algo no sintoma que faz com que o paciente, apesar de todo sofrimento, resista ao tratamento (Freud, 1977).

Freud (1977) se refere a outro quadro de sofrimento no decorrer de sua obra:

as neuroses atuais. As menciona pela primeira vez em 1888, todavia, começa a interessar-se mais pelo assunto em 1892, ano em que escreve uma carta a Fliess, a respeito da neurastenia. 

Freud (1977) as entendia como um efeito da tensão sexual sem descarga, devido às dificuldades que homens e mulheres encontravam para agir de acordo com as exigências da civilização e, ao mesmo tempo, alcançar a satisfação necessária, percurso similar ao das psiconeuroses. Entretanto, o autor percebeu uma diferença decisiva no caso das neuroses atuais, a tensão acumulada não encontra o caminho da representação psíquica, a libido retida é descarregada diretamente no corpo, sem ganhar sentido algum, sem se utilizar da função simbólica. Este fato intriga o autor nesta fase de sua obra porque, além de marcar a distinção entre as neuroses atuais e as psiconeuroses de defesa, tornava as primeiras extremamente difíceis de serem tratadas. 

Freud (1977) refere que a denominação Neuroses Atuais foi dada a quadros clínicos de neuroses, caracterizados principalmente por sua falta de história. Ou seja, a contemporaneidade dos sintomas que, pelos próprios pacientes, não eram atribuídos, às suas vidas, às suas histórias. E, ainda, pelo seu caráter súbito sem a mediação encontrada na formação dos sintomas das psiconeuroses.

 Lacan (1985) em seu Seminário 7, ao tratar da pulsão de acordo com o pensamento freudiano, também relaciona a história ao simbólico essa dimensão é introduzida desde que a cadeia histórica é isolável, e que a história se apresenta como algo memorável e memorizado no sentido freudiano, algo que é registrado na cadeia significante e suspenso à sua existência. Ou seja, para Lacan história, memorização e rememoração dependem do registro significante, do registro simbólico da pulsão: “A rememoração, a historização, é coextensiva ao funcionamento da pulsão no que se chama de psiquismo humano” (Lacan, 1995, p.256). 

Sem se utilizar do recurso da representação no que implica no uso da memória, o sujeito se torna incapaz de circunscrever-se historicamente, de remontar sua experiência relacionando-a com sua própria história (o que é muito presente no discurso de alguns jovens, na contemporaneidade, que parecem recusar sua inscrição na história e na família, como se esta evitação garantisse certa liberdade almejada (Roudinesco, 2003).

Freud (1977) descreve em sua obra que as neuroses atuais se dividem em neurastenia e neurose de angústia, para a qual o autor da especial destaque, exatamente, por sua relação com a angústia. Em 1894, o autor estabelece pela primeira vez a base de toda sua teorização a respeito deste afeto. Muito foi acrescentado posteriormente, porém a matéria-prima já se encontra nesse escrito. Sobre a origem da angústia o autor demarca dois campos, a origem exógena e a origem endógena. A primeira não causaria grandes problemas, pois a fonte de excitação está do lado de fora e envia para a psique um aumento de excitação, que é tratado de acordo com sua quantidade.  Portanto, para esse fim, basta qualquer reação que diminua a excitação psíquica interna na mesma quantidade.  As de origem endógena, esta sim, muito mais complexa, com sua fonte sediada no próprio corpo, necessita de uma ação específica que impeça um aumento de excitação de tal ordem que ultrapasse um certo limite. Num primeiro momento, é esse acúmulo que irá despertar a libido e o desejo. Porém, se por algum motivo, se a ação específica não ocorrer e a excitação acumulada exceder o limite, torna-se perturbadora. Essa fonte endógena da angústia.

 Freud (1977) distingui a neurose de angústia da histeria. Em um primeiro momento Freud supõe ser a neurose de angústia uma histeria, por serem ambas neuroses de represamento e deslocarem a libido para o corpo. Porém, constata que enquanto na histeria o que fora represado se transformava em representação a excitação é psíquica e se direciona para o campo somático. A neurose de angústia trata-se de uma tensão física que não consegue penetrar no campo psíquico e, por conseguinte, permanece na via física. Freud aponta para uma falha na função simbólica, na esfera psíquica na neurose de angústia devendo haver um déficit assinalável no afeto sexual, na libido psíquica. Em consequência deste déficit simbólico, dessa falta de inscrição distingue a angústia presente na neurose de angústia da angústia presente na histeria.

Porém no apesar do conhecimento dos mecanismo da neurose atuais e sua relação com as mudanças na sociedade atual, tais mecanismo não são levados em consideração em tratamento na maioria dos casos, prevalece a ordem do imediatismo não se tratando a patologia em si mais se medicando os sintomas das mesmas (Frederick, 1988).

 

             

10  PATOLOGIAS CLÁSSICAS DA PSICANALISE NA CONTEMPORANEIDADE

 

Recalcati (2004) expõe em sua obra que na atualidade o “Manual Diagnóstico e de Transtornos Mentais (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders - DSM)” é o instrumento atual de diagnóstico para a psiquiatria biológica, classificando os sintomas por categorias genéricas de transtornos e os reduz à dimensão comportamental, convertendo-os em monossintomas.

O mesmo autor cita que as patologias clássicas da psicanálise foram a no decorrer das edições da DSM, sendo cada vez mais reduzidas até o desparecimento da histeria na DSM IV e da neurose obsessiva que nesta edição se converte que em transtorno obsessivo compulsivo.

Para Recalcati (2004) o que poderia parecer um limite, acaba por se converter em elemento de uma mutação epistemológica que preparará a etapa seguinte do saber psiquiátrico o modelo biológico centrado na hereditariedade e na degenerescência. A partir dos anos 1950, entrará em ascensão o modelo bioquímico de interação entre o funcionamento do sistema nervoso e as primeiras substâncias antipsicóticas e antidepressivas sintetizadas em laboratório a Clorpromazina e a Imipramina.

O autor parte do princípio que partir dos anos 1950, a psiquiatria ganha uma nova configuração, do recurso a procedimentos mais precisos de observação da conduta ela se fundamenta na neurofisiologia cerebral, na bioquímica e ancora sua metodologia em levantamentos epidemiológicos. Essa orientação da psiquiatria resulta na elaboração, ao longo dos anos 1960, do DSM um vocabulário epidemiológico único e padronizado, que contém uma descrição exaustiva das condutas sociais que exprime a fragmentação das grandes classificações do século XIX em síndromes e transtornos. 

Recalcati (2004) coloca que até o final dos anos 1940, a psiquiatria ainda era pautada no isolamento, no trabalho, no olhar vigilante, na infantilização e na produção de um ideal disciplinar concentrado na figura do médico, a partir da invenção da Clorpromazina e da Imipramina, é introduzido no saber psiquiátrico um novo elemento, na forma da substância, e outra orientação metodológica a observação dos efeitos que se produzem sobre as psicopatologias. Essa expansão da tecnologia da medicação, na clínica psiquiátrica, é correlata à ascensão do modelo biológico de regulação do comportamento, ao questionamento do fundamento psicodinâmico da clínica psicopatológica e à elaboração de uma taxonomia pluralizada das psicopatologias organizada a partir de um modelo geral de regulação bioquímica do comportamento. A regulação bioquímica do comportamento leva a negação dos princípios do entendimento patológicos visto sobre o aspecto psicanalítico sendo desta forma o sujeito tratado em função das alterações neuroquímicas com psicofarmacos. 

Recalcati (2004) em sua obra enfatiza a anorexia e a bulimia, porem deixa claro que a psicanálise de um modo geral teve suas patologias fragmentadas em transtornos, dos quais os de seu tratamentos não são mais as abordagem psicanalítica mais sim o imediatismo da medicalização. 

Roudinesco (2003) defende a pertinência da psicanálise na atualidade, opondo-se às propostas da farmacologia e outras terapêuticas, que argumentam não haver mais nem tempo nem espaço para a prática psicanalítica na contemporaneidade. Esta autora descreve em sua obra que a morte, as paixões, a sexualidade, a loucura, o inconsciente e a relação com o outro moldam a subjetividade de cada um. Acredita ainda que essas questões permanecerão sempre presentes apesar das diversas tentativas do projeto da modernidade para excluí-las. Afirma que a psicanálise tem sido fundamental para que a civilização avance sobre a barbárie, uma vez que resgata a idéia de que o homem é livre por sua fala, e que não se restringe nem é determinado por sua biologia. Dessa maneira, vislumbra um lugar para a psicanálise, no futuro de dar continuidade ao trabalho psicanalítico e se lutar contra as pretensões obscurantistas que almejam reduzir o pensamento a um neurônio ou confundir o desejo com uma secreção química. 

A autora observa que o sofrimento psíquico, na atualidade, tende a manifestar-se como depressão, significante empregado para representar a mistura de apatia e tristeza que acomete, cada vez mais, um número maior de indivíduos que não conseguem nem se dar o tempo de se interrogar sobre as origens de seu sofrimento. Deduz que a era da subjetividade está sendo substituída pela era da individualidade, que quanto mais a sociedade enuncia a igualdade e unificação, mais acentua as diferenças no sentido da exclusão. No âmago dessa proposta, cada um reivindica sua singularidade, mas sem querer identificar-se com as referências da universalidade já dadas como ultrapassadas. Dessa maneira, os indivíduos do mundo contemporâneo criam para si mesmos a ilusão de uma liberdade sem limites, de uma independência sem desejo e de uma historicidade sem história, o homem de hoje transformou - se no contrário de um sujeito. 

Dentro de uma lógica de normatização, ou seja, de adequação dos indivíduos a padronizações impostas pela sociedade, o homem contemporâneo recorre à medicina e a propostas de terapias, que julga serem mais apropriadas ao reconhecimento de sua identidade. Esta é a causa, segundo a autora, para o crescimento tanto de práticas místicas e religiosas e medicamentosas, quanto do cientificismo que valoriza o homem-máquina em detrimento do homem desejante. Acrescenta ainda, que não se trata de mudança de estrutura e sim de uma mudança de paradigma, ou seja, o contexto do pensamento, o conjunto das representações ou o modelo específico, que são próprios de uma época. Entende que toda revolução científica é traduzida numa mudança desse porte, porém, afirma que nos campos da medicina, psiquiatria e psicanálise, um modelo novo não exclui o precedente, o inclui, atribuindo-lhe significação nova. Neste sentido, considera que a histeria não deixou de existir e hoje é cada vez mais, vivida e tratada como uma depressão. Afirma ainda que tal mudança de paradigma não é sem intenções, essa substituição vem junto a uma valorização dos processos psicológicos que têm como objetivo a normalização, em detrimento das formas de exploração do inconsciente. Desse modo, a depressão não é considerada neurose, psicose ou melancolia, e sim, uma entidade nova que remete a um estado de fadiga, déficit ou enfraquecimento da personalidade. 

 Em outras palavras, a concepção freudiana de um sujeito do inconsciente, consciente de sua liberdade, mas atormentado pelo sexo, pela morte e pela proibição, foi substituída pela concepção mais psicológica de um indivíduo depressivo, que foge de seu inconsciente e está preocupado em retirar de si a essência de todo conflito.

O sintoma da depressão denuncia que o sentido da vida não lhe é intrínseco, uma vez que tem como aspecto principal a perda de significado da existência. O homem está sempre tentando atribuir sentido à vida, à morte, ao sexo, ao desconhecido, mas esta produção de sentido não é individual seu alcance simbólico reside justamente no fato de ser coletiva, e seus efeitos, inscritos na cultura (Roudinesco, 2003)

Roudinesco (2003) conduz sua análise pelo viés das modificações causadas pelo projeto da modernidade e os efeitos do capitalismo tardio sobre ele. Afirma que enquanto os antigos tinham um fundamento ético, pelo qual se pautar, na modernidade o sentido da vida não podia mais ser ditado por uma verdade transcendental precedente à existência individual. Porém, a tarefa de dar sentido à vida é da cultura, uma tarefa simbólica, que se constitui através das narrativas e discursos sobre o que é, ou deve ser. 

A autora constata em sua obra que nas últimas décadas, houve um empobrecimento dos discursos dominantes, atribuído à prevalência das razões de mercado em detrimento das filosóficas, anteriormente, mais valorizadas. Compreende que enquanto razões filosóficas e religiosas, e grandes utopias políticas, apontam sempre na direção de uma transformação do sujeito ou do mundo que ele habita, ou ainda, para alguma forma de gozo que não fique reduzida ao prazer corporal (como exemplo, a contemplação para os antigos, o êxtase para os místicos e o sublime para os românticos), as razões de mercado se consomem em si mesmas.

Para a autora, todo esse quadro configura uma crise ética, dividida em duas vertentes: a dificuldade do reconhecimento da lei, e a desmoralização do código. A primeira diz respeito aos impasses criados pelo imperativo do gozo - mandamento contemporâneo - em reconhecer a lei da castração, ou a dívida simbólica: que é o preço que pagamos pela condição humana, ou seja, por sermos marcados pela linguagem e pela vida em sociedade, a relação intrínseca entre indivíduo e cultura, explanada no primeiro capítulo desta dissertação. Afirma, ainda, que as sociedades modernas, por terem feito de seus ideais liberdade, autonomia individual e valorização narcísica do indivíduo, criou novos modos de alienação, orientados para o gozo e consumo imediatos, agravados, nas últimas décadas do século XX, com o declínio da era industrial e ascensão da indústria virtual e da informática, e junto à enorme produção de bens supérfluos, serviços e lazer. 

Desta maneira, a sustentação da lei pela cultura sofre grande enfraquecimento, e ao mesmo tempo, a dívida simbólica permanece. Ou seja, o gozo pleno é impossível e a origem da lei não se inscreve na história individual, a linguagem precede o sujeito, as estruturas de parentesco, ainda que formalizadas de maneiras bastante diversas das de outras épocas, determinam o pertencimento simbólico a um lugar os desejos e fantasias de nossos pais emprestam significados à nossa existência muito antes do nosso nascimento. Esses são os fundamentos do inconsciente como discurso do Outro. Por isso, o efeito do imperativo do gozo da sociedade contemporânea é o de dificultar o reconhecimento da lei por faltar uma base discursiva que confira apoio e significado à impossibilidade do gozo (Roudinesco, 2003)

Para Roudinesco (2003) assim como para Recalcati (2004) as patologias clássicas da psicanálise não deixaram de existir somente passaram para um novo sistema de classificação no qual fragmentou em transtornos detrimento a um forma de classificação e tratamento das psicopatias clássicas, tendo como base de seu tratamento o imediatismo do homem moderno com medicalização dos atuais transtornos.

 

             

11  CONCLUSÃO

 

Conclui-se que as razões que levam o homem moderno cada dia mais recorrer aos psicofarmacos se relacionam como as mudanças ocorridas nos séculos XX e XXI na sociedade. 

Estas mudanças sociais aos quais se iniciam com o capitalismo e as novas relações de trabalho, levam um novo contexto de família, com maior participação da mulher no mercado de trabalho e a queda da figura paterna, isto para citar apenas os principais fatores que influenciaram o sujeito contemporâneo em seu seio familiar.  

O aumento do consumismo pela pressão mercadológica, a necessidade de nunca se frustrar levam o sujeito contemporâneo a angústia. 

O imediatismo imposto pela nova sociedade, no qual não há tempo para compreender os seus conflitos internos impõe como solução o uso dos psicofarmacos como sendo uma saída para sempre estar bem dentro do novo contexto sociedade atual. 

Conclui-se ainda que as alterações que sofreu o homem moderno em seu psiquismo, sob uma ótica psicanalítica, são provenientes da própria formação do psiquismo ao qual está diretamente relacionado às mudanças no contexto sociocultural ao qual o sujeito se encontra inserido.

Nos dois últimos séculos estas mudanças foram intensas e o psiquismo do sujeito contemporâneo sofreu grandes distorções levando ao surgimento dos conflitos internos, no qual encontra a solução dos mesmos nos psicofarmacos, uma solução que durante o decorrer do trabalho demonstra-se inadequado, pois não resolve os conflitos, mas atenua os sintomas gerados pelos mesmos.

Diante do levantamento bibliográfico, a situação futura dos objetivos pesquisados tendem a sofrer maiores alterações psíquicas no homem

contemporâneo, assim, como socioculturais, que poderá resultar em um crescimento mais acentuado no uso dos psicofarmacos.

             

REFERÊNCIAS

 

, Dolto, F.. A causa das crianças. São Paulo: Idéias e Letras, 2005.

 

, Fink, B.. O sujeito lacaniano, entre a linguagem e o gozo. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.

 

, Fortes, I.. O sofrimento na cultura atual: Hedonismo versus alteridade. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2004.

 

, Frederick, R. K.. O moderno e o modernismo. Rio de Janeiro: Imago, 1998.

 

, Lacan, J.. O seminário. Rio de Janeiro: Zahar, 1985.

 

, Roudinesco, E.. A família em desordem. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.

 

, Sauret, M-J.. Psychanalyse et politique: huit questions de la psychanalyse au politique. Toulouse: Presses Universitaires Mirail, 2005.

 

J., Birman,. Mal-estar na atualidade: A psicanálise e as novas formas de subjetivação. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.

 

M., Recalcati. La ultima cena: anorexia y bulimia. Buenos Aires: Ediciones del Cifrado, 2004.

 

S., Freud,. Edição Standard Brasileira das Obra Completa de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: imago, 1977.